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Acosta. «O Bossio levava-me ao Barbas; era pior do que jogar no Estádio da Luz» PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
Sábado, 16 Julho 2011 10:16

110716_acostaO último título da Argentina é a Copa América-93, com a dupla avançada Acosta-Batistuta. O ex-sportinguista resume essa festa, e outras em Alvalade. "Passava mais tempo no trânsito..."

 

Cada povo tem os seus dogmas. Para os argentinos existem três estádios no caminho para a felicidade: carne, tango e Maradona. Para os argentinos, a melancolia é o estado de alma que mais convém. Nota-se na forma como saboreiam demoradamente a carne, exaltam intensamente o tango e discursam apaixonadamente sobre Maradona. E também se nota na forma como falam. Em qualquer lado. Num debate eleitoral televisivo, por exemplo. "Noooooo, pero noooo." No meio da rua, ao telefone. "Mi quiero moriiiiiiiir." Nas lojas. "Peeeeerfecto."

Tudo, tudo, mas tudo mesmo é feito assim, de forma chorosa, como que a pedinchar. Não é defeito, é feitio. Acosta, o grande Beto Acosta, ou simplesmente Matador, para os adeptos do Sporting, é um argentino de gema, fiel às origens. E olhe lá que ele deambulou por mundos tão diferentes como França (Toulouse), Chile (Universidad Católica), Japão (Marinos) e, claro, Portugal. Ao serviço dos leões, Acosta ganhou um campeonato nacional e uma Supertaça portuguesa. Entre Janeiro de 1999 e Maio de 2001, fez 99 jogos e marcou 48 golos. Deixou a sua marca. Em Alvalade não há quem não se lembre dele. Com saudade. Com uma tristeza vaga e indisfarçável. E agora quem é melancólico, hum? Huuuumm? Acosta atende-nos o telefone à segunda tentativa e põe-se à nossa disposição para o quer der e vier.

Boa tarde, Acosta. Telefono de Portugal.

Dale [como quem diz ''bora, diz de tua justiça].

Ou melhor, sou português, mas telefono de Buenos Aires. Estamos a acompanhar a Copa América.

Que biiiiiiien! Mucho gustoooooooooooo. Y que tal?

A Argentina? Isso pergunto-lhe eu.

Nós vamos entrar nos eixos, vais ver. É só o melhor do mundo começar a acelerar para a selecção, acordar deste período ligeiramente melancólico [hein?, não fomos nós que o incentivámos].

Por falar nisso, que é feito da psicanálise dos argentinos?

Ahhhhhhhh, a psicanálise. Estás cá há muito tempo? E já percebeste que é um cliché bem argentino? Buuuuuuuuuuuuenoooooo. Gostamos muito de nos psicanalisar. Mas primeiro temos de escutar a voz interior para nos conhecermos melhor.

Pergunto isto porque a psicanálise deverá ajudar um povo que não vê a selecção ganhar nada desde 1993...

Siiiiii, é muito tempo para uma selecção como a nossa, com tanta história e talento ilimitado.

A última vez foi há 18 anos. Isto já parece o Sporting.

Je [é a forma curiosa que a imprensa argentina interpreta como um sorriso]. Quase, quase.

Em 1993, a dupla de ataque era Acosta-Batistuta. Do que se lembra dessa Copa América?

De tudo. Na altura, jogava no Boca Juniors e tinha marcado golos em três superclássicos [com o River Plate], pelo que merecia a confiança do seleccionador, Alfio Basile.

O "Coco", não é? Um personagem, segundo leio nas revistas da época.

Sim, sim. Um grande senhor. Sabe muito de futebol e trata bem o jogador. Com ele sempre ganhámos. Além da Copa América-93, a Taça das Confederações no ano anterior. Aliás, fiz 19 jogos pela Argentina, todos com o Coco, e não perdi nenhum! Também tive a sorte de acompanhar a selecção naquela fase invencível dos 31 jogos.

Voltemos à Copa América-93. Lembra- -se de quê exactamente?

Da fase de grupos sofrida, como a desta Argentina de 2011. Também começámos com a Bolívia. Ganhámos 1-0, golo de Batituta [ah, é verdade, há outro pormenor dos argentinos na questão linguística, porque não dizem os esses em determinados nomes, como Batituta e Etados Unidos], mas depois empatámos com México e Colômbia. Qualificámo-nos em segundo lugar do grupo, o que implicou um Argentina-Brasil nos quartos-de-final.

E aí, como foi?

Uyyyyyy, muy complicado. Nesse jogo não fui titular. A dupla foi Batituta-Medina Bello. Eu entrei para o lugar do Batituta quando estávamos a perder 1-0. Empatámos e fomos a penáltis.

E o Acosta marcou algum?

Sim, o quarto da série. Logo a seguir ao Roberto Carlos. O guarda-redes era o Zetti. Nós tínhamos o Goycoechea, que já era um deus neste tipo de desempate. Foi ele que nos levou às meias-finais ao defender o sexto remate brasileiro [de Boiadeiro].

E nas meias-finais?

Novamente a Colômbia, outra vez 0-0. A dupla de ataque fui eu e o Batituta. Marquei o quinto penálti, depois do Valderrama. Se falhasse, a Argentina era eliminada. Se marcasse, iniciaríamos uma segunda série. Enganei o Córdoba. Depois o Goycoechea fez o resto, ja ja [é a forma que a imprensa argentina representa uma gargalhada].

Chegámos à final.

Com o México, que nesse ano tinha sido o primeiro convidado de sempre para a Copa América. Uma equipa bueníssima. No ataque, tinham "só" o Hugo Sánchez. Aí quem nos salvou foi Batituta. Marcou os dois golos [2-1].

Muita festa?

Siiiiii, claro. Foi um período dourado da Argentina. Vínhamos de ganhar a Taça das Confederações [Acosta jogou, novamente ao lado de Batistuta, e até marcou um golo, à Costa do Marfim, nas meias-finais], não perdíamos um jogo desde 1991, ano em que levantámos a Copa América, no Chile. Dois anos depois voltámos a conquistá-la. E comigo lá, no Equador.

Equador... Equador... E a linha do Equador, que divide o hemisfério norte e sul. Que ideia lhe passou pela cabeça para tentar o futebol europeu aos 32 anos?

Ganas, muchas ganas. Queria provar a mim próprio que estava bem. E o Sporting pareceu-me o desafio ideal. Está no meu coração, é um clube com uma história riquíssima e uns adeptos muito especiais.

E a equipa, também especial?

A começar no Paulinho, o roupeiro. Ele vibrava mais que nós, ja ja.

Eh eh [forma como representamos a nossa gargalhada].

Havia tanta boa gente... Com piada. Além dos argentinos Duscher, Quiroga, Hanuch e Kmet, o Beto, o Rui Jorge, o Barbosa, o Nuno Santos, que era o terceiro guarda-redes. Era jovem mas tinha carisma. E o César Prates, não me poderia esquecer dele. Ele simplesmente ria-se de tudo e mais alguma coisa. Até nos jogos. Às vezes falhava um cruzamento, eu olhava para ele e já o via a recuar para o seu lugar com uma cara de menino traquinas, que tinha feito uma asneira mas que não queria que lhe dissessem nada. Que figura!

Onde é que o Acosta morou?

Nos primeiros seis meses, em Oeiras. Meu Deus, o trânsito... Passava mais horas dentro do carro do que nos treinos. Mas é uma paisagem linda. A marginal, não é?

Sim, sim. E depois, viveu onde?

Passei para os lados da Avenida de Roma.

Por isso é que rendeu mais... Está tudo explicado!

Ja ja ja. A verdade é que a segunda época, a primeira completa, foi um sonho tornado realidade. Pelos golos, pelo ambiente à volta da equipa e pelo título de campeão. Que luxo, hein? E olha que eu era o homem sortudo da equipa.

O mais goleador já sabíamos, agora o mais sortudo... porquê?

Não ouvia o Schmeichel a gritar, ja ja ja. Que porterazo, hein?! Que figura. Muito profissional.

Mas pouco dado à diversão?

Noooooooooo, noooooooooo, não digas isso. Ele é dinamarquês, je. As pessoas do Norte da Europa são mais distantes que os latinos, e estes são mais apaixonados que qualquer outro povo.

E onde é que ia almoçar ou jantar?

Conheci lugares sensacionais.

Sozinho ou com o Bossio? Sim, eu sei que o Acosta se encontrava com o Bossio. Já o entrevistei e ele disse-me.

Je je, ele levava-me sempre ao Barbas. Como é que é? Costa Caprica?

Costa de Caparica!

Isso. O Barbas. Meu Deus. Aquilo é pior que jogar no Estádio da Luz. Entrava de cabeça baixa para não repararem em mim, ja ja. Sempre muito bem tratado. Pelo dono e pelos clientes. Sinto que deixei uma boa impressão em Portugal. Gosto muito do teu país.

Ainda por cima foi campeão nacional.

Sim, dias muito loucos, entre a derrota com o Benfica em Alvalade e a vitória sobre o Salgueiros lá em cima. Tudo acabou em bem, com uma festa descomunal.

Mas começou mal, com Materazzi.

Havia o problema da língua, claro, mas isso não explica tudo. Ele falava italiano e transmitia as suas ideias ao Ayew, que tinha jogado em Itália [Lecce]. O Ayew explicava em português para uns, em castelhano para os outros e em inglês para o Schmeichel. Reforço a ideia, o problema da língua não explica tudo. Eu não falo quase nada inglês e entendia-me muito bem com o Schmeichel, por exemplo. Dentro do campo, a linguagem do futebol é só uma. Com o Materazzi, o Sporting simplesmente não funcionou com as suas ideias, pronto. Cada um seguiu o seu caminho, chegou o Inácio e fomos campeões.

O Acosta é que é um campeão. Conte- -nos a sua última aventura: cancro na tiróide?

Foi um sofrimento, o jogo mais difícil da minha vida. Imagina-te com 44 anos a receber uma notícia daquelas. Só ouvir a palavra "operação" já me assustou. O mundo desabou. Caiu-me tudo. Em 20 anos de carreira nunca fui operado. E depois isto.

E agora?

Já está tudo ultrapassado. Passei alguns dias no hospital a seguir um tratamento, que me fez engordar uns sete, oito quilos, e que me fez ver a série "Lost" de uma ponta a outra, mas estou óptimo de saúde e até já voltei a jogar futebol.

E a marcar golos?

Também.

E penáltis?

Je, alguns, alguns.

 

In ionline.pt


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