Foi, indubitavelmente, a primeira grande proeza individual do desporto português. Em Chepstow, no País de Gales, Carlos Lopes sagrou-se campeão do Mundo de corta-mato. Um triunfo esmagador, dominando de forma insofismável o arrogante inglês Tony Simmons, de um atleta que era... empregado bancário a 7105 escudos por mês, que envergava a camisola do Sporting desde 1967, trabalhado com paciência de chinês e pertinácia por Moniz Pereira, que, assim, recolheu os primeiros louros de uma aposta num trabalho de qualidade em que hipotecara a sua própria... cabeça. Valeu a pena. E muito mais valeria...
Como o grande favorito ficou a conhecer o português Lopes
Que Lopes já era um fora-de-série, apesar de ano e meio antes ainda ter
de se levantar de madrugada para se treinar antes do emprego no banco,
toda a gente sabia menos George Best, treinador da equipa inglesa, e o
seu atleta, Tony Simmons. À chegada à meta, atrasado cem metros em
relação ao nosso compatriota, perguntou quem era o fulano que ganhara a
corrida. Disseram-lhe que tinha sido o português, Lopes.
Desdenhosamente, retorquiu: «Não o conheço.» Má memória tinha a
britânica criatura, porque Lopes já o vencera em San Sebastian, não
muito tempo antes.
Incapaz de cair em deslumbramento, o campeão confessou que os «outros»
o tinham deixado fugir, convencidos de que ele não aguentaria o ritmo,
«mas as forças redobram quando se vai à frente».
Curiosa foi a explicação do triunfo de Carlos Lopes, em masculinos, e
da espanhola, Carmen Valero, em femininos, num jornal de Gales:
«Vitória Ibérica, fim das ditaduras.» Este era o título. Um pedaço da
prosa: «...Na verdade, foi um grande choque: um atleta português
conquistou o título masculino, logo a seguir a uma rapariga espanhola
ter ganho a corrida feminina. Será, porventura, que esta dupla vitória
ibérica terá alguma coisa a ver com a libertação da Península Ibérica
da opressão dos ditadores?» O comentário, que diz que Carlos Lopes e
Carmen Valero haviam flutuado sobre o piso revolvido pelos cavalos (as
provas tiveram lugar num hipódromo lamacento), era assinado por
Cristopher Brasher, crítico de muito boa reputação no mundo do
atletismo.
E, à chegada a Lisboa, Fernando Mamede disparou: « As outras
federações, em vez de andarem a fazer barulho, com razão ou sem ela,
que se dediquem a um trabalho proveitoso, como a FPA tem feito.» E
desvendou, sentimental: «Quando me apercebi de que Lopes ia ganhar
apeteceu-me deixar a minha prova e correr para ele, para o abraçar.
Afinal, fora a maior vitória do desporto português.»
In Jornal "A Bola"
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