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Saleiro: «O menino está feito um homem» PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
Terça, 23 Março 2010 08:17
Foto: SaleiroQuem desespera, também alcança. Não acredita? Ponha os olhos em Carlos Saleiro. Se agora está em fase de afirmação no Sporting, onde até já é tratado por CS9 de Alvalade, há um ano e dois meses, então emprestado ao Setúbal, enfrentava uma das maiores provações da rampa de lançamento da carreira. Pouco ou nada utilizado na equipa sadina, teve de se agarrar com as duas mãos à corda do sonho para fugir ao alçapão aberto por opções técnicas e circunstâncias desportivas que ameaçavam trucidar-lhe a esperança de ser bem-sucedido. Dispensável no Bonfim, sentiu-se aliviado quando o mercado reabriu em Janeiro de 2009.

Chegavam a hora e a oportunidade de se emancipar. E fê-lo com a mudança para Coimbra. Subiu no mapa de Portugal e transformou o rendimento e a confiança, evidenciando-se. Maduro, no fim da época teve o que queria: uma brecha no plantel do Sporting, com a bênção de Paulo Bento. Hoje em dia surpreende e entusiasma. E, na blogosfera sportinguista, é já dinâmico o movimento que o aponta à Selecção Nacional. A soma das parcelas é intrigante: afinal, como se explica tamanha e vertiginosa metamorfose? Há quem diga que Saleiro perdeu, finalmente, o medo de "colocar a qualidade que sempre mostrou possuir". Simplificando, deixou de ser um menino introvertido e de aparência frágil. Aos 24 anos, está feito um homem, expansivo, afirmativo e robusto, usando o corpo como nunca nos diferentes momentos do jogo. E, como se tem visto, até dá uma cacetada se for preciso.

"Parecia mole, desligado, pouco emotivo, mas agora está mais homem, mais forte e mais consistente física e mentalmente", resume Rui Vitória, treinador com quem Saleiro privou no Fátima, na II Liga, em 2007/08. Mas antes de se transfigurar na Académica, o CS9 teve encontros assíduos com o sofrimento durante a meia temporada em que serviu o Setúbal. E para a história fica um saldo de utilização pobre em jogos do campeonato: 125 minutos conseguidos em cinco aparições, sempre na condição de elemento saído do banco de suplentes. Daúto Faquirá, o técnico que comandou Saleiro no Vitória sadino, indica que a maior dificuldade encarada foi a da adaptação ao novo patamar competitivo. "Ele vinha da II Liga e tinha expectativas de se afirmar logo. Como não conseguiu, viu adiada a evolução que agora se está a constatar. Carecia de jogar com mais assiduidade, o que lhe confere outros níveis de motivação."

Por outro lado, Faquirá recorda que o jogador se debateu com uma lesão que o impossibilitou de actuar durante algum tempo e depois teve um problema disciplinar suscitado por declarações em que manifestou não compreender porque jogava tão pouco. O contexto, diz o técnico que hoje está sem clube, "não era o melhor para o Saleiro se afirmar". "Falei com ele, quando ele foi para Coimbra. Disse-lhe que, jogando noutro lado, iria pôr fora tudo o que tem", descreve o técnico, alegando nunca ter duvidado do potencial do homem que hoje dá uso à camisola nove do Sporting. "Bem servido, é um jogador que faz golos. Sempre o fez", enfatiza Faquirá, que descortina pontos fortes e fracos no CS9: "Não é muito rápido, não é tão bom longe da baliza, mas é fortíssimo na finalização. Rende mais jogando como referência, mas tanto pode jogar num 4x4x2 como num 4x3x3."

Em Coimbra, no entanto, tudo mudou na vida de Saleiro. E foi como da noite para o dia. Ao contrário do que sucedera no Bonfim, mereceu a confiança absoluta do treinador, Domingos Paciência, e… correspondeu. Fez 13 jogos na Liga Sagres (sete a titular) e somou 685 minutos de utilização, tendo apontado quatro golos. E finalizou a temporada em grande estilo: dois golos em 90 minutos na vitória sobre o Guimarães (3-2). Estava lançado para reentrar no Sporting, onde cinco anos antes, era ainda júnior, tivera o privilégio de ser chamado por José Peseiro aos trabalhos de pré-temporada do plantel. De então para cá, Saleiro refinou-se. Quem com ele coabitou no Verão de 2004 conta que o CS9, outrora frágil, mas já possuidor de qualidades técnicas - no passe, no drible, na recepção, etc. -, "é indiscutivelmente um avançado de equipa grande", estando "mais forte em tudo", nomeadamente na capacidade atlética, a característica que "mais melhorou". Hoje é descrito como um jogador inteligente a usar o corpo. Sabe aproveitá-lo para guardar a bola, para proteger, para rodar, revelando também capacidade para abrir buracos nas defesas. Outra particularidade associada é a evolução a jogar de costas para a baliza.

Sem resistência mental, o talento é curto

O desenvolvimento físico de Saleiro traz à memória o crescimento de Figo, também ele formado nas escolas do Sporting, mas que teve uma transição (mais) acelerada para a equipa principal. Na primeira etapa como sénior, o antigo extremo também exibia uma silhueta de cristal, vacilando nos duelos vigorosos e intensos. Roger Spry, um dos maiores especialistas de preparação física do mundo, lembra-se do trabalho criterioso que teve de ser feito com Figo e, olhando para o presente, não duvida de que Saleiro necessitou dos mesmos condimentos para temperar o salto qualitativo. "O Figo tinha um potencial fantástico, mas sentia dificuldades no contacto ou quando era empurrado ou agarrado. Fizemos então um trabalho para melhorar a força e a potência dele", confirma Spryfit, como é conhecido este inglês nascido em Lichfield há 59 anos.

O incremento físico, porém, não se esgota no fortalecimento da massa muscular. "Pegando no caso do Figo, porque trabalhei com ele, posso dizer que cresceu imenso no espaço de um ano, mas a grande construção foi a nível da resistência mental. É aqui que entra a importância das artes marciais. A força mental é decisiva nos jogadores mais qualificados, porque são esses que se expõem à agressividade dos adversários. Também conheço bem o Saleiro, é um jogador fantástico. O Sporting produz jogadores talentosos, mas é preciso perceber uma coisa: as qualidades técnicas só por si não são suficientes para se chegar longe. É preciso adquirir resistência e ter um grande controlo mental. Quanto mais habilidoso se é, mas sujeito se está a levar cacetada", adverte o antigo colaborador de Bobby Robson que, actualmente, é responsável pelo físico da selecção da Áustria, além de se dedicar à formação de preparadores, uma actividade que pretende explorar em Portugal daqui por "um ou dois anos".

Por comparação com Figo, pode dizer-se que o CS9 é um privilegiado, porque beneficia de instrumentos fornecidos pela modernidade e sofisticação tecnológica. É o que pensa Filipe Ramos, antigo colega do ex-camisola sete e presentemente treinador do Real Sport Clube. "Naquela altura já fazíamos trabalho de ginásio, mas claro que, actualmente, as condições são outras. Não havia uma Academia. O trabalho específico que se faz hoje em dia é mais elaborado, porque entretanto o futebol evoluiu para essa vertente", comenta o antigo campeão de Riade.

Pontos de vista

- Roger Spry

A força mental é decisiva nos jogadores mais qualificados, porque são esses que se expõem à agressividade dos adversários.

- Rui Dias

Ele tinha vontade, só que não sabia dosear o ritmo de jogo e por vezes chegava aos 30 minutos cansado.

A aprendizagem do jogo foi feita no Olivais e no Fátima, e Domingos, na Académica, aproveitou, e muito bem.

- Rui Vitória

O cavalo passa à porta, é preciso é saber montá-lo; e Saleiro está a saber montá-lo. Tem correspondido às exigências de jogar num clube grande.

Sabe todos os movimentos

Além da componente física e da resistência mental, outras características foram melhoradas por Saleiro ao longo do processo de crescimento que o conduziu ao plantel do Sporting. Não sendo um portento de agressividade, domina todos os movimentos de um ponta-de-lança e executa-os de acordo com as necessidades da equipa, dizem os observadores. O CS9, enfatizam os que o conhecem a fundo, sabe desmarcar-se entre os centrais ou entre o lateral e o central. E, tendo maior mobilidade, não só cria condições para pegar a bola de frente para o adversário como desmobiliza o sector defensivo contrário. É retratado como um atacante moderno, porque não se fixa e faz aproveitamento de zonas interiores, criando espaço ou para os médios entrarem, ou para outro avançado penetrar, ou ainda para ele próprio tabelar e romper. Rui Vitória, treinador que recebeu Saleiro no Fátima em 2007/08, garante que o nove do Sporting "joga com qualquer dos sistemas tácticos, com um ou dois homens na frente". "No tempo em que trabalhou comigo já tinha cultura de posição", lembra.

Também os momentos de decisão e os ritmos foram afinados pelo CS9. Sabe o que fazer quando está sozinho, acompanhado ou sem apoio. Vê melhor à sua volta, asseguram os especialistas consultados. "Se recebia a bola e a equipa estava esticada, ele tentava jogar logo a um, dois toques, em vez de esperar pelos apoios. Mas melhorou isso, aprendeu mais o jogo", afirma Rui Dias, que orientou Saleiro durante duas épocas no Olivais e Moscavide (2005/06 e 2006/07). "No primeiro ano esteve quase sempre lesionado, teve de ser operado duas vezes a um joelho. No segundo jogou mais, muitas vezes a médio-ala, ou seja, sem ser na posição dele, o que considero importante no processo de formação. Tinha vontade, só que não sabia dosear o ritmo de jogo e por vezes chegava aos 30 minutos cansado. Mas foi aprendendo e corrigindo, porque tem carácter e humildade", aponta Rui Dias.

Evolução plena por etapas

Demorou mais tempo do que Moutinho, Veloso, Djaló, Patrício, Pereirinha ou Carriço, mas Saleiro chegou onde pretendia, tendo reencontrado, no plantel principal do Sporting, uma série de colegas que em 2004/05 se sagraram, como ele, campeões de juniores pela mão de Paulo Bento. O "carácter do miúdo", relata Rui Dias, foi decisivo. "Sempre soube o que queria e para onde ia. A aprendizagem do jogo foi feita connosco e no Fátima, e o Domingos, na Académica, aproveitou, e muito bem. O Saleiro mostrou então que estava pronto para outros voos. Mérito dele, dos treinadores e do Sporting, que o foi emprestando para crescer, ao contrário do sucedido com o Pereirinha, que, por exemplo, foi estragado por ter sido puxado demasiado cedo para o plantel sénior", lamenta o antigo treinador do CS9 no Olivais e Moscavide. "Mas com o Saleiro", insiste o técnico, "estiveram perfeitos." "Passou muito, sofreu muito e agora está a colher os frutos do seu profissionalismo. Tem um grande futuro pela frente."

Rui Vitória, o treinador que acolheu o CS9 no Fátima em 2007/08, concorda com Rui Dias. "O Saleiro veio do Olivais e Moscavide com dois golos feitos. Connosco, jogou a época toda a ponta-de-lança e fez 11 golos na Vitalis, um registo muito bom nesta divisão e num clube que desceu. Teve um percurso sustentado, soube aproveitar as etapas de aprendizagem", situa o técnico, confessando-se "feliz" pela emergência do nove do Sporting: "Às vezes perdem o estímulo por irem para a segunda divisão e por verem colegas noutros patamares. Mas ele percebeu que o seu caminho era mais comprido. Nunca se desnorteou, sabia que a hora dele havia de chegar. O cavalo passa à porta, é preciso é saber montá-lo; e ele está a saber montá-lo."

Um finalizador clínico como este não podia morrer

Em 2005, sabe O JOGO, já havia uma ordem interna no Sporting "para que não se deixasse morrer um talento como Carlos Saleiro". Nessa altura já ele evidenciava a sobriedade que vai comprovando ao nível mais alto na relação com as balizas. É aquilo a que os ingleses chamam "finalizador clínico". Por cá, diz-se que é "muito frio" na hora de atirar a matar. "Aquele golo que fez ao Guimarães deixou-me sem palavras, foi uma coisa fantástica. Aquilo… aquilo, para quem jogou à bola, é uma execução fabulosa. Tiro-lhe o meu chapéu", rende-se Filipe Ramos, o campeão de Riad, para quem o CS9 "está em grande". E Rui Vitória, que o lapidou no Fátima, chama a atenção para um pormenor: "Não nos podemos esquecer de que o Saleiro apareceu na pior fase do Sporting dos últimos tempos. A equipa estava fragilizada, mas ele correspondeu. Com a equipa a subir, ele está ainda melhor." O homem que ainda hoje comanda o Fátima não tem a mais pequena dúvida: "O Saleiro tem correspondido às exigências de jogar num clube com a grandeza do Sporting."

Valor de Selecção atrasado para o Mundial

O CS9, que também já respondeu pelas alcunhas de Van Basten ou Raúl (do pé direito), está a surpreender e, em face da escassez de pontas-de-lança portugueses de alto calibre, começa a ser encaminhado para a Selecção. Mas ainda estará a tempo de apanhar o comboio lusitano que seguirá com destino ao Mundial da África do Sul? "É difícil", solta fonte próxima do seleccionador, porque "o grupo está praticamente fechado". "A menos que haja lesões, e aí… tudo pode acontecer, uma vez que Saleiro, por representar o Sporting, tem mais visibilidade e impacto em Portugal do que outros", diz a mesma fonte, garantindo que os jogos da Liga Europa "foram importantes provas de aferição". Mas Carlos Queiroz está atento e, inclusive, assistiu ao vivo à grande exibição do CS9 frente ao Guimarães. "O Saleiro nunca tinha tido este tipo de protagonismo. E oportunidades como esta nem sempre passam duas vezes na carreira de um jogador. Os índices de confiança estão em alta, as coisas saem-lhe naturalmente bem. Acredito que pode estar ali um futuro ponta-de-lança da Selecção", anuncia o antigo internacional Filipe Ramos.

 

In ojogo.pt


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