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Tinga: «A mãe do Yannick é que me arranjava as tranças» PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
Quarta, 25 Novembro 2009 10:01

091125_tingaDa Alemanha, o médio lembra os leões. Mas nem sabia que Bento tinha saído

 

"Meu Deus! Português e brasileiro, onde vai tem um!" Em Dortmund estão pelo menos Tinga e a reportagem do i. Entramos na casa mais normal deste mundo - brinquedos pelo chão, território de crianças - porque Tinga não é futebolista, é mesmo a pessoa mais normal que por aí anda. "Tenho saudades da infância, a única preocupação era saber o que comer." Agora a fome é outra, diz--se obcecado por títulos e é por isso que o Sporting lhe ficou atravessado. Ganhou zero em Portugal. Como não esquece o clube nem o país é ele que começa com as perguntas.

"E o FC Porto? Sempre na frente, não é?"



Não. Benfica e Braga em primeiro, sendo que o Braga já ganhou aos três grandes. O campeonato está interessante, só falta o Sporting dar mais concorrência. Estão em crise, mudaram agora de treinador.

A sério? Não acredito! Mas o Paulo Bento saiu? Ainda joguei com o Paulo Bento, ele tinha uma visão diferente dos outros, percebia-se que dali ia sair treinador. Mas quem é agora o treinador do Sporting?

Carlos Carvalhal.

Não conheço.

Fez a carreira quase toda em Portugal, em clubes pequenos. Foi uma surpresa.

Às vezes tem de se apostar em sangue novo... Agora falo menos com a malta de lá, às vezes com o Polga porque o Roca [Rochemback] foi embora, né?

É verdade. Não estava a jogar, quando entrava também não era o futebolista da primeira passagem pelo Sporting.

Esse é o problema, quando você deixa uma imagem no clube, no regresso tem de ser igual, a torcida tem uma expectativa e não deixa que seja diferente. Rochemback tinha o problema do peso. Ainda fizeram muita churrascada na casa dele em Alcochete?

Teve festa, puxa! Mas a gente não incomodava ninguém. Talvez agora o Roca tivesse menos motivação, mas ele sempre foi pesado e quando ia lá para dentro atropelava toda a gente. Nunca vi nada assim! O problema é quando vem a idade, aí a gente tem de ter mais cuidado. Sempre me cuidei mas também já não faço o que fazia antes. E o Yannick como está?

Agora é um rapaz famoso, com uma namorada famosa.

Uma modelo?

Mais ou menos, uma actriz de televisão. Este ano o Yannick até teve umas oportunidades mas não está a jogar assim tanto.

Não? Ele tinha muitas condições, era muito rápido, tem tudo para ser grande! Gostava muito dele, falávamos, às vezes ia lá a casa porque a mãe dele é que me arranjava as tranças do cabelo. E o Carlos Freitas?

É o director-desportivo do Sporting de Braga.

Ah, por isso estão em primeiro lugar! Claro! Sempre soube escolher jogadores.

Deve ter-se arrependido de o deixar sair do Sporting. Perdeu o jogador e não deve ter ganho grande dinheiro.

Ele não queria que eu saísse. O Grémio pagou uns 400 mil euros e o Peseiro também gostava de mim, dizia-me que eu era jogador de selecção.

E você, o que lhe disse naquele jogo de Setúbal em que foi substituído na primeira parte? Também para ir tomar no c...?

Não, isso foi o Roca. Eu não disse nada, em Setúbal o balneário é atrás da baliza e eu nem saí junto do banco. Ainda bem, porque não sei o que lhe dizia. Foi nesse jogo de Setúbal que começou a minha saída do Sporting. No Grémio era eu e mais dez, mas no Sporting era igual aos outros, senti um pouco a diferença, foi estranho. Mas tudo bem, sempre fui um jogador de vestiário [balneário], de grupo. Mas aquela substituição? Aquilo não se faz! Eu era o 77 e aos 28 minutos vejo a placa levantada com o 77. "O quê? Não acredito!"

Não percebeu a razão?

Ainda se eu estivesse a jogar mal ou se a equipa estivesse a perder! Depois saí e levámos dois golos [derrota 2-0]. Pronto. Fui para o balneário, peguei no telefone e disse ao meu empresário que me queria ir embora. Ele ligou logo para o Carlos Freitas e foi o Freitas que me apareceu no balneário, ainda antes do jogo acabar. "Calma Tinga, gostamos e acreditamos em você, vamos resolver isso!" "Não se faz, quero ir embora."

Depois houve a cena do autocarro com o treinador.

O Freitas acalmou-me. Em Lisboa, à saída do autocarro, o Peseiro chamou-me com todo mundo a ver (depois a imprensa escreveu que ele me pediu desculpa. Claro! Faz aquela substituição, depois chama-me à frente de todos) e levou-me para o gabinete dele. "Quer ir embora por isto?" "Quero. Se sou substituído assim é porque não sirvo." Ele disse-me que me substituiu porque precisava de altura, estava vento e dava muita bola pelo ar. "Então também não sirvo. Eu já não vou crescer!" [Tinga mede 1,70 m] E fui para o Inter de Porto Alegre, onde havia um projecto para ganhar a Libertadores. Sou dos poucos que jogaram nos dois rivais (Grémio e Inter) e posso andar tranquilo na rua. Sporting e Benfica? Vocês não têm noção daquela rivalidade.

No sábado há dérbi em Lisboa. Quem vai ganhar?

É? A que horas?

À noite, 21h15.

Quero ver, tenho seguido pouco, jogo aqui à tarde mas depois quero ver. Vai ser complicado, o Benfica está com boa equipa, bons jogadores, o Ramires é muito forte. Mas se o Sporting mudou de treinador a motivação pode ser outra.

Qualquer dia ainda volta a Portugal.

Quem sabe. Mas vou ficar aqui mais uns anos, tenho uma boa condição física, felizmente nesse aspecto sempre consegui ser o melhor nos clubes onde passei. Além disso, estou muito bem aqui. Quer ver? Na época passada, jogámos a última jornada e falhámos o acesso à UEFA. No dia seguinte havia festa no estádio, com os adeptos, pensei que não ia estar lá ninguém, ou então iam criticar-nos. Rapaz! Estavam lá 80 mil pessoas a aplaudir! Como é que me vou embora daqui? Tenho tudo, sou bem tratado, respeitado, pagam bem, não falham! É perfeito.

É verdade que apostam muito nos prémios?

É o mais normal, o teu ordenado pode dobrar com os prémios, de vitórias, de presenças... Comigo já não é assim, já confiam, sabem que quero render sempre.

Cresceu no Restinga, um bairro pobre de Porto Alegre. A vida mudou muito.

Sim, mas dá saudade, aquilo era uma vida sem preocupação. Preocupação tenho hoje, com o IVA, e o IIIII, e o AAAAA... Às vezes aquilo dá saudade, a minha única preocupação era comer. Corria, jogava à bola, tinha alegria, só tinha de me virar para comer.

Teve fome?

Não passei fome, não vou estar a mentir, mas tive de me virar e não podia ficar parado. Às vezes tinha de jogar à bola à frente da casa dos amigos à espera que chamassem alguém para comer. E eu ia atrás. A diversão era saber onde ia comer.

Como lida com o dinheiro?

Não me queixo. Olha o que aconteceu: nem estudei, nem português sabia falar direito e agora estou aqui, graças a Deus. Mas no futebol de hoje, a concorrência, os números, o dinheiro, está tudo errado. Hoje em dia um miúdo joga seis meses e de repente vale 20 milhões. Depois piram, esquecem-se que são pessoas iguais às outras...

[isto é raro num futebolista; não se interrompe]

...O futebolista vive de aparências. Todos nós queremos dizer que somos jogadores de futebol, é o sonho que alcançámos, o problema é que todo o mundo joga à bola. Daí a aparência, o carro, a roupa, a festa, o camarote, para marcar a diferença. Há tempo para isso, para perceber o que é, também fui jovem, mas já não ligo a nada disso. O futebolista é só mais uma pessoa que hoje vai dormir e amanhã pode não acordar.

...

Conheci a minha mulher quando tinha 16 anos e ela 12, estamos juntos há 15. Mulher de futebolista pode apoiar-te mas também te rebenta. A minha ajuda-me, às vezes quero oferecer-lhe qualquer coisa e ela diz que não precisa, que já tem. Depois é preciso aproveitar o que nos aparece. Não existem burros ou inteligentes, as pessoas nascem todas iguais, têm oportunidades para fazer escolhas e para aprender. É só querer. O futebol deu-me tudo, levou-me a viajar por todo o mundo, ensinou-me línguas, tudo...

Nesse seu equilíbrio todo, como viu a depressão e a morte de Enke, aqui na Alemanha?

É a prova de que somos todos iguais! Até os futebolistas. É a prova de que todos temos problemas, de que a pressão existe e é difícil lidar com ela. E de que às vezes é difícil pedir ajuda.

Voltemos ao futebol. E a selecção brasileira? Disse que não é "bitolado" para a selecção. Humildade a mais?

O que você pensa que quer dizer "bitolado"?

Bitola, nível... Dá a ideia que acha que não tem nível para a selecção.

Nada disso. É mais... obcecado, é isso, nunca fui obcecado com a selecção. Sou mas é obcecado por títulos e por isso sinto que não fiz tudo no Sporting. Verdade! Onde passei, deixei a minha marca. Fui para o Japão e fui campeão. Ganhei no Grémio, no Inter marquei na final da Libertadores e vencemos. Faltou ganhar no Sporting. De qualquer forma tenho uma gratidão enorme, foi o clube que me abriu as portas da Europa e me preparou para chegar onde estou. Em 2006 ganhei a final da Libertadores, apanhei logo um avião para a Alemanha, fiz quatro treinos e numa quarta-feira estava a jogar! Sem o que vivi no Sporting isso seria impossível.

Mas já não pensa na selecção?

Torço! Torço pelo Dunga [seleccionador], é meu amigo pessoal, torço por ele. O meu último jogo foi contra Portugal, em Londres [2-1]. Um Portugal-Brasil em Londres.

A entrevista é interrompida. O dono do restaurante - uma casa italiana de beira de estrada onde o futebolista brasileiro gosta de passar discreto e comer uma massa com molho de queijo e uns pedaços de fiambre - é asiático mas conhece portugueses e aparece a arranhar a língua. "Chaves!" "Sapato!", atira. "Meu Deus, português e brasileiro, onde vai tem um! Em todo o mundo!", acaba Tinga.

 

In ionline.pt

 

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