Início > Arquivo Noticias > Clube > Artur: «Nunca pensei jogar no Sporting, mas o Benfica mandou-me embora»
Sábado, 20 Abril 2024
Artur: «Nunca pensei jogar no Sporting, mas o Benfica mandou-me embora» PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
Sábado, 18 Setembro 2010 18:19

100918_arturSócio do Benfica desde que nasceu, o ruço faz tackles linguísticos. Um passeio nas suas memórias

 

A impetuosidade era a sua imagem de marca. Constantemente insatisfeito, através de gestos e atitudes, o ruço tem uma carreira ímpar no futebol português. Foi o lateral-direito da selecção durante a década 70 (Maio-72 a Novembro-79), totalizando 35 jogos, e de três clubes com grande tradição: Académica, Benfica e Sporting.

A sua história, porém, não é como outras. Campeão nacional de juniores no Benfica, com Humberto Coelho, Toni, Vítor Martins e Nené, quis tirar o curso de Medicina, o que o obrigou a uma transferência para a Académica. Lá passou três boas épocas até perceber que era impossível conciliar estudos e futebol. Optou pela bola e voltou ao Benfica, em 1971. Seis anos depois, o primeiro grande susto, vítima de uma pleurisia. Afastado dos relvados e com o Benfica em digressão, não lhe renovaram o contrato. Sensível a este episódio, João Rocha estendeu-lhe a mão e Artur passou para o outro lado da Segunda Circular. Em 1980, no início da terceira época pelos leões (24 de Setembro), sofreu um acidente cardiovascular que lhe acabou com a carreira desportiva. No jogo de homenagem entre Benfica e Sporting, em 1981, Toni definiu-o da melhor forma: "No Sporting, era o único jogador à Benfica."

Vamos começar a entrevista pelo fim da carreira, quando Toni o definiu como o único jogador à Benfica no Sporting. Hoje o que lhe diz isso?

É uma expressão feliz do Toni. Sempre gostei de a ouvir. Assenta-me bem.

Mas é uma expressão feliz porquê?

Sou sócio do Benfica desde que nasci.

E como foi parar ao Sporting?

Nunca pensei jogar naquela equipa [Sporting], mas o Benfica mandou-me embora. Na prática, foi assim. Durante seis anos [de 1971 a 1977] estive sempre a ganhar o mesmo: 34 contos por mês. Em 1974, o presidente Borges Coutinho prometeu-me 500 contos e uma festa de homenagem quando renovasse o contrato, em 1977. Ora em 1977 fomos campeões, com o Mortimore, e o Romão Martins [director-desportivo do Benfica] ofereceu-me uma festa de homenagem de 200 contos e 27 contos de ordenado. Onde é que já se viu passar de 34 para 28 contos? Como é possível baixar de ordenado? Ameacei com a saída e disseram-me que, como eu era benfiquista, nunca sairia. Mas estavam a empurrar-me para fora do meu clube e saí. O João Rocha apanhou-me descontente e fui parar ao outro lado da Segunda Circular.

E como foi essa mudança?

Péssima, horrível. No início ainda fazia a minha vida normal. Mas não dava. Entrava num restaurante, num bar, num café, numa loja qualquer, até a andar na rua, e ouvia as pessoas a falarem de mim à minha volta. Ouvia muitas coisas, a mais suave era "traidor". A partir de certo momento, a minha vida começou a ser casa, treino, casa, jogo, casa.

E o primeiro jogo com o Sporting?

Adivinha? Com o Benfica!

Na Luz?

Não, em Alvalade. Primeira jornada do campeonato nacional. Na altura a equipa visitante entrava primeiro em campo, depois os árbitros e no fim a equipa da casa. Quando entrei e vi aquelas camisolas vermelhas do outro lado fiquei confuso. E triste.

Como lateral-direito, quem é que marcou nesse jogo?

O Chalana. Um tipo cinco estrelas. E um jogador admirável. No Benfica só tinha que o defrontar nos treinos. No Sporting, estava ali á minha frente. Quando o jogo começou voltei-me para ele e disse-lhe "não te ponhas para aí com coisas, que eu perco a cabeça e levas uma paulada", e ele responde-me "ó ruço, não há problema, estamos em família". Logo na primeira jogada passou-me a bola entre as pernas. Era a pior coisa que me podiam fazer. Depois [aos 8''] há um canto e... golo do Benfica, foi o Chalana de cabeça. Voltei-me para ele e disse-lhe "agora estás tramado" e o Chalana só me dizia "ó ruço, foi sem querer, a bola bateu--me na cabeça..." E por acaso tinha sido. Mas o Fraguito empatou [aos 20''] e ninguém perdeu.

E daí para a frente?

Nessa primeira época ganhámos a Taça de Portugal ao FC Porto. No campeonato ficámos em terceiro. Quando cheguei ao Sporting o treinador era um brasileiro que apareceu por aí e saiu logo em Dezembro. Chamava-se Paulo Emílio. Certo dia [20 de Novembro de 1977], fomos jogar ao Norte, estava o Riopele [de Pousada de Saramagos, no concelho de Famalicão] na 1.a divisão, e ele, o treinador, quis levar a mulher a conhecer o Minho. Na manhã do jogo o treinador não apareceu. Almoçámos e nada do treinador. Fomos para o jogo e ele continua desaparecido em combate. O Manuel Marques, chefe do Departamento de Futebol, lá me disse para orientar a equipa. Ao intervalo estávamos a perder 2-1. Fiz uma substituição [entrada de Baltasar e saída de Cerdeira] e ganhámos 3-2. No final do jogo apareceu o treinador com uma conversa do género: "Não há problema, eu sabia que vocês ganhavam." Fez uma brincadeira igual na Madeira [4-0 ao Marítimo, na semana seguinte, a 27 de Novembro]. Acabou por sair no Natal.

Mas foi campeão nacional em 1980, certo?

Sim, foi um campeonato tramado, resolvido por um autogolo do Manaca, em Guimarães. Falou-se muito desse golo porque tinha sido do Sporting, mas foi um autogolo. Meteu mal a cabeça à bola, pronto. Se não fosse ele, estava lá o Manuel Fernandes atrás dele para marcar. Nessa época, Sporting e FC Porto andaram pegados o tempo todo e aquilo era finais todas as semanas. Dessa vez o Benfica andava longe do poder. A três jornadas do fim fomos jogar às Antas e empatámos 1-1, mas o António Garrido fez das suas. Marcou um penálti inexistente. Disse-lhe logo que tinha arranjado um emprego para toda a vida. Depois mandou repetir esse penálti duas vezes até a bola entrar [Romeu só festejou na recarga, depois de Vaz ter defendido o remate de Oliveira]. Foi um abuso.

Palavra de benfiquista.

Sabes o que eu fazia sempre que chegava o intervalo do Sporting? Perguntava ao roupeiro: "Olha lá, pá, como é que está o Benfica?" Ninguém no Sporting me levava a mal. Nem na Académica [1969-71]. Eu sou do Benfica, e eles sabiam.

Na altura a maioria dos estádios assinalava os resultados no placard manual, não era?

Sim, pela ordem de jogos no totobola. Também por aí era fácil ver o resultado do Benfica, pois os jogos eram quase todos à mesma hora. Só havia um jogo ao sábado à noite. O resto era tudo ao domingo à tarde.

Portanto, campeão pelo Sporting em 1980. Foi o sexto campeonato que ganhou. Os outros cinco foram pelo Benfica. Algum a destacar?

O de 1972-73, sem derrotas: 28 vitórias e dois empates.

Dois empates? Tchi...

No primeiro, à 24.a jornada, com o FC Porto, nas Antas (2-2), eles marcaram um golo aos 86 minutos, num remate sei lá de onde, e o gato [José Henrique, guarda-redes do Benfica] devia estar a pensar na namorada e não nos deram tempo de dar a volta. Depois 0-0 na Tapadinha, com o Atlético [Artur nem jogou], na penúltima jornada. Temos de ajudar os mais necessitados [mas nem assim o Atlético se safou e desceu de divisão].

Eram os tempos do Jimmy Hagan, com fama de treinador implacável.

É mito ou verdade?

O gajo era tramado. Mas bom treinador. Naquele tempo os jogadores só ganhavam o prémio de jogo na totalidade se jogassem. Ora podíamos estar a ganhar por 6-0, com duas substituições por fazer, o pessoal no banco a pedir "Ó mister, dá para entrar?", e ele nada. No balneário nem ai nem ui. E era terrível nos treinos. Já com a idade que tinha, fazia todos os exercícios que nos mandava fazer. Fartava-se de puxar por nós, a correr à volta do relvado.

E há alguma história de Benfica-Sporting como jogador do Benfica?

Muitas, mas há uma em especial: em Março de 1974, no último dérbi pré-revolucionário. Ganhámos 5-3 em Alvalade, mas nem imaginas a arbitragem do Raul Nazaré nesse dia! Marcou-nos dois penáltis. Ao primeiro, a castigar falta inexistente minha sobre o Dé, que se atirou para dentro da área, disse-lhe logo: não faças isso, Raúl, que nós vamos lá abaixo e marcamos dois golos. Dito e feito: de 2-3 para 2-5 foi num piscar de olhos.

Ok...

Pera aí que há outra história engraçada, em 1974-75, na Luz. Apostei com o Yazalde um lanche: se eu ganhasse, ele pagava. Se ele empatasse, eu pagava.

E se o Sporting ganhasse?

Como? O Sporting ganhar na Luz? Empatar já era uma coisa do outro mundo.

E o que aconteceu?

Foi 1-1.

Afinal...

Foi um jogo esquisito. O Móia, que nunca marcou um golo na vida, deu-nos avanço e foi o Yazalde quem empatou. No final, eu e o Chirola [alcunha de Yazalde] saímos juntos do estádio e levei-o a uma marisqueira em Benfica. Pelo caminho, uma série de adeptos: "Ó Artur, mas estás com esse porquê?'' E eu respondia: ''O jogo já acabou. Agora somos amigos."

É cada um por si lá dentro e todos amigos cá fora?

Por aí, sim. É a coisa mais natural.

Mas lá dentro fervia, não?

É pá...

Contam-me que você era implacável.

Ok, ou passava a bola ou o jogador, nunca os dois. Mas nunca aleijei ninguém. O maior problema eram os árbitros. Eu fazia tackles, roubava a bola e o árbitro não só assinalava falta defensiva como ainda me mostrava o cartão amarelo. E eu dizia-lhes: "Porra, mas tu não vês a final da Taça de Inglaterra?" Era dos poucos jogos que dava na televisão, a par da final da Taça dos Campeões. Mas a Taça de Inglaterra era um espectáculo e um encanto que só visto. Os mais fracos da 3.a divisão ganhavam aos da 1.a e o jogo era sempre a correr, com muitos tackles, nunca punidos pelo árbitro. Só em Portugal é aquilo era falta...

 

In ionline


Ítems Relacionados:

 

Redes Sociais

  • Facebook Page: 204936909525135
  • Twitter: scpmemoria
  • YouTube: scpcpmemoria

Escolher Campeonato

RSS Notícias

rss_videos Notícias

Siga-nos no Facebook

header_wikisporting