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Quinta, 25 Abril 2024
Fernando Mendes: «Joguei em muito lado, mas sou sportinguista» PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
Sábado, 27 Novembro 2010 20:13

101127_fernando_mendesSe quiséssemos resumir Fernando Mendes numa palavra seria "castiço". Sem pudores ou reservas, o ex-Sporting, ex-Benfica, ex-Boavista, ex-Belenenses, ex-FC Porto, ex-Vitória de Setúbal, etc., fala sobretudo de tudo. Do amor ao clube do coração, à admiração pelo FC Porto, até ao doping que tomou. "Sem arrependimentos. Assumo tudo o que fiz." Hoje, dia de clássico, recordamos a carreira de quem fez da rebeldia uma causa. Trato-o por você e ele responde-me logo por "tu" e "pá". Castiço, evidentemente.

I - O SPORTING

Fernando, então vais torcer por quem este fim-de-semana?

Então e isso pergunta-se?

Pergunta-se, pois.

Pelo Sporting, claro! Joguei em muito lado, mas sou sportinguista. Fui criado em Alvalade, é preciso não esquecer. Sou do Sporting e não do FC Porto.

Começaste no Cancela e depois fizeste uns testes e acabaste por ficar no Sporting. E a sorte grande saiu-te porque discutiste com o técnico dos juniores...

[interrompe] Fernando Tomé...

... e chegaste à equipa principal, para treinar com o Toschak.

Apesar da situação não me arrependo do que fiz! É que assim fui parar aos seniores! Bom, mas como exemplo, não foi exemplo nenhum. Mas também é o meu feitio. Há os jogadores mais certinhos e os mais rebeldes. E eu nunca fui o típico jogador de futebol.

Esse balneário de Alvalade estava cheio de históricos, como Damas, Jordão, Manuel Fernandes. Levaste muitas reprimendas?

Algumas porradinhas mas faz parte [num jogo frente ao Athletic Bilbao, levou uma estalada de Vítor Damas quando provocou um canto desnecessário]. Sabes, é que eu cresci em Alvalade, fui para ali com nove anos, a ver aqueles tipos todos e de repente estou ali no meio deles. É estranho mas muito bom. E fez-me bem.

Fez de ti um homem.

Sim, sim, cresci como homem. Principalmente porque na altura não tinha carta e vinha todos os dias do Montijo com o Manuel Fernandes. Ele abriu-me as portas dentro do balneário. Hoje em dia, as coisas são mais acessíveis; antigamente havia um respeito muito maior pelos futebolistas mais velhos.

E tudo te correu bem até à chegada de Keith Burkinshaw, o treinador inglês, que afastou algumas estrelas e glórias da equipa.

Ouó, ele afastou uma catrefada de gente [toca o telefone]. Espera aí um bocado vou só atender [começa a falar no outro telemóvel]. Sim? Sim? Eh pá telefona-me daqui a pouco, agora não dá [volta à conversa com o i] Onde é que nós íamos, companheiro?

No Keith Burkinshaw.

É como dizias. Ele lá tinha os seus métodos mas afastar gente como o Jordão e o Manuel Fernandes, as referências da equipa, não foi bom para ninguém. A queda dele começou por aí.

E ficaste bem com o Sporting quando o Barcelona te quis levar e o clube pediu quase um milhão de contos por ti?

Foi o que me disseram. Vamos lá a ver: aquilo nunca passou por mim! Soube aquilo mais tarde... Mas é uma exorbitância, não é? Não sei quanto custou o Maradona mas não sei se terá chegado ao milhão de contos [gargalhada]. Mas acabei por compreender até porque tinha uma relação muito especial com o presidente Jorge Gonçalves. Aceitei.

Com o Sousa Cintra é que a relação não foi tão boa.

Nem cheguei a ter uma relação com ele porque fui para o Benfica. Mas percebi que era a minha altura de ir embora porque gostava do Jorge Gonçalves e nas eleições em que ele concorreu contra o Sousa Cintra eu disse que só ficaria se o sr. Gonçalves ganhasse. E ganhou o Sousa Cintra. Mas, vá, eu até ficaria no Sporting se ele não me tivesse abordado da forma que abordou.

E como foi a abordagem?

Eh pá, ligou-me para casa e disse que me punha uma bomba no carro. E também que se não jogasse em Alvalade não jogava em mais lado nenhum. Eu estava habituado a outro tipo de ambiente.

E acabas por assinar contrato com o Benfica na casa de Leonor Pinhão.

É verdade, é verdade [risos]. Não fiquei muito surpreendido porque conhecia o pai dela, que fora jornalista de "A Bola". E também lá estava o João Bonzinho que, salvo erro, ainda está n''"A Bola" não é? As conversações começaram a partir daí.

II - O BENFICA

E depois deste um tiro no pé com aquela entrevista em que dizias que nunca irias deixar de ser sportinguista mesmo no Benfica.

Foi a minha morte! Tu repara: hoje em dia é mais fácil andar de clube em clube, não é? E a forma como saí do Sporting, tendo sido criado ali e sendo uma quase referência, enfim. Mas também me faz confusão aqueles jogadores que quando mudam de clube mudam de preferências. Lá por ser adepto deste ou daquele não quer dizer que não seja profissional num emblema rival, não é? E voltaria a dar a mesma entrevista!

O que se passou com o Eriksson?

Até o Eusébio disse: "Até que enfim o Benfica tem um extremo-esquerdo em condições." E eu era defesa... Percebi logo que alguma coisa estava mal. Eu até compreendo: chegou um treinador novo, com as suas ideias e jogadores. E eu não era uma contratação dele, percebes? Agora compreendo, na altura não compreendi isso. Mas depois até cheguei a ganhar um lugar mas nunca certo daquilo que se podia passar. Eu pensava: "À mínima coisa que faças, estás fora."

Sim, mas daí a andar com uma pressão de ar no estádio para matar pássaros...

[gargalhada] Isso era giro! Era apenas por brincadeira! Eu fazia isso com um roupeiro, que era o Luís! Não era para provocar ninguém!

E matavas muitos pássaros?

Matava, matava. Sabes que antigamente se punha adubo nos relvados e isso atraía a passarada. Eu ia mais cedo para os treinos e andava a dar umas chumbadas nos gajos.

Fizeste almoçaradas à conta disso?

Não, não! O roupeiro é que ficava com os pássaros para ele.

E do Benfica sais para...

[interrompe] Para o Boavista e venho parar ao Belenenses onde fiz uma época boa com o João Alves. E andavam aí uns clubes interessados, como o Rayo Vallecano e o Salamanca, e acabei por assinar com o Vallecano. Tinha eu 29 anos. Escolhi esse clube porque me dava quatro anos de contrato. Só que no meio disso tudo aparece o FC Porto. Acontece que nessa altura o Emerson - lembras-te do Emerson?

III - O FC PORTO

Lembro-me, lembro-me. Foi para Inglaterra, para o Middlesbrough.

Exacto. E o Bobby Robson queria pôr o Paulinho Santos no lugar do Emerson [a trinco] e precisava de um lateral-esquerdo. O Belenenses devia-me não sei quantos meses de contratos e portanto eu ficaria livre. Só que ainda assim o Vallecano teria de pagar 120 mil contos por mim. Sucede que eles queriam pagar em letras e o Belenenses desconfiou e levou o assunto à Liga de Clubes. E quem era o presidente da Liga na altura?

Pinto da Costa.

Sim. E conversa puxa conversa apareceu o nome de Fernando Mendes no Futebol Clube do Porto.

E assinaste contrato nas Antas, com os espanhóis numa sala ao lado, certo?

É verdade, é verdade. Supostamente era para tratarem disso e às tantas o Pinto da Costa diz: "Então e se eu vos der o mesmo dinheiro ele vem para aqui?" E eu assinei com os outros gajos do outro lado da sala! E sabes o que é que foi engraçado no meio disto tudo?

Conta.

Os tipos do FC Porto tinham a certeza que eu ia assinar por eles! E então estava a falar com o Pinto da Costa, o Reinaldo Teles, o João Alves [na altura treinador do Belenenses] e o presidente do Belenenses. E não me esqueço do que o Pinto da Costa me disse: "Então e vais jogar para onde?" E eu: "Vou para o Rayo Vallecano." E ele: "Rayo quê? O que é isso?" E eu: "É ali em Espanha." E ele: "Se é para jogares em Espanha vais jogar no Chaves que é praticamente a mesma coisa." [gargalhada] E eu: "Para o Chaves não, que pelo menos em Espanha ainda vou ganhar algum." E ele: "Então e se eu te der o mesmo que eles, vens para aqui?" Ó pá, tu acreditas que eles, do FC Porto, já tinham o contrato todo prontinho? Com tudo! Com o nome do meu pai, da minha mãe, com a minha morada... Só faltava a minha assinatura! Os contratos ainda feitos naquelas folhas roxas, lembras-te? E eu que tinha ido ao Norte só para receber um prémio em Espinho [melhor lateral esquerdo de 1995/96 para o "Público"] e os directores do Rayo Vallecano lá ao lado... Acho que as senhoras da limpeza foram lá varrer aquilo e perguntar aos gajos o que é que eles andavam ali a fazer [gargalhada].

Foi uma operação à FC Porto?

Eh pá, é fantástico. Quando dizemos que o Porto é diferente dos outros clubes é porque é mesmo. Eles quando metem na cabeça que um jogador vai representar o Futebol Clube do Porto, o jogador vai mesmo representar o Porto. É um respeito... Quando estás cara a cara com o Pinto da Costa... É carisma, é simpatia e inteligência superior. Ele é um ser de inteligência superior.

Pinto da Costa conquistou-te?

Completamente. E eu também tive sorte: foram três anos excelentes.

Mas sendo tu um rebelde não sofreste com aquele controlo?

Eles são diferentes e apostam muito nas regras e temos de cumpri-las. O lema no Porto é este: aos jogadores não falta nada portanto a exigência é máxima.

Então mas e o controlo?

É normal porque é um meio mais pequeno. Íamos tomar o pequeno-almoço juntos, íamos juntos passar férias, saíamos nos mesmos sítios. Portanto, quando um de nós não era visto nesses lugares, desconfiava-se.

Foste alguma vez apanhado a pôr o pé em ramo verde?

Fui, fui. Logo, mal cheguei, numa discoteca na Póvoa do Lanhoso. Mas também foi mais um mal-entendido que outra coisa. Foi o lançamento de um disco do Neno - lembras-te do Neno?

Lembro-me, o guarda-redes/cantor.

Isso. O Neno convidou-me e eu estive lá uma hora, só mesmo para dar um abraço ao gajo que tinha jogado comigo no Benfica - percebes a ideia? Eu não estava era habituado àquelas regras porque só estava no FC Porto há uma semana. Mas fui logo castigado! Eu e o Edmilson - lembras-te do Edmilson?

[gargalhada] Lembro-me, lembro-me.

Eh, eh, Eh. Pois, então ficámos os dois castigados e estivemos para ir ambos embora!

E quem é que vos segurou?

O Aloísio, o Jorge Costa e o João Pinto: os capitães. Explicaram a quem deviam que eu estava há pouco tempo no clube. E digo-te que foi remédio santo! Nem café vinha beber à rua depois disso! Porra! [gargalhada]

E naquela altura em que dizem que mordeste um bombeiro num Estrela da Amadora-FC Porto?

O FC Porto aí mexeu-se com o apoio jurídico mas publicamente não disseram nada. Até achei natural, fui uma espécie de cobaia. Havia aquele programa na SIC, os "Donos da Bola", que era uma perseguição ao Porto. Para eles, éramos beneficiados. Enfim. Foi naquele jogo em que o Jorge Costa deu uma chapelada num polícia que até lhe saltou o boné! Mas pronto. Houve um bombeiro que apresentou queixa contra mim, dizendo que lhe tinha mordido na cara. Eh pá, eu fiz muita porcaria quando joguei à bola. Muita mesmo. Mas sempre admiti tudo o que fiz. E se esse tal bombeiro me aparecesse à frente agora, juro-te que passaria por ele sem dar por nada. Não lhe toquei, Pedro. E até tinha dois polícias como testemunhas minhas. Voltando atrás, fui uma espécie de bode expiatório. Mas já passou.

E a SIC tinha razão? O FC Porto era beneficiado? E o Sporting e o Benfica?

Vamos lá ver uma coisa: os árbitros estão muito mais expostos nos jogos em que alinham os grandes, não é? Mas tenho a certeza que chegas ao fim de cada temporada e são os três favorecidos em alguns lances - não tenho a mínima dúvida. Marcas mais penáltis contra à Naval do que ao Benfica, ao FC Porto ou ao Sporting. É assim que funcionam as coisas. E se calhar os jogadores dos três grandes também são mais protegidos em relação a cartões amarelos e vermelhos.

Mas sentiste-te favorecido?

Eh pá... Nota-se que há um, digamos, apoio a esses clubes. Bom, mas no FC Porto tínhamos uma equipa fabulosa e praticamente não precisávamos de ajudas de ninguém. Éramos bons. Mas virando o bico ao prego, jogar num clube menor contra esses três, nota-se que somos prejudicados.

Por falar em Sporting e FC Porto e jogadores. Bettencourt apelou à calma relativamente ao assunto Moutinho.

E fez muito bem. O presidente teve uma acção louvável. Agora, acredito que o Moutinho, que deu tudo ao Sporting (até muito dinheiro!), vai encontrar um ambiente muito difícil. Pode ser que ele goste tanto desses ambientes quanto eu!

IV - O DOPING

Vamos ao doping. Tu assumiste no livro "Jogo Sujo" que te tinhas dopado durante a carreira. A páginas tantas, dizes que estás num jogo de Portugal, num particular, e que ao intervalo alguém fora da selecção te injecta nos balneários porque chamaste essa pessoa que era do clube em que jogavas na altura. Aqui fizemos as contas e isso bate no momento em que estavas no Belenenses, certo?

É verdade, sim. Foi no Portugal-Grécia, antes do Europeu de 1996. Estava no Belenenses e fui convocado para esse jogo particular - era uma espécie de teste. Eu estava muito cansado, pá, e surgiu essa oportunidade de me dopar. Não podia desperdiçar a ida a um Europeu e fiz uma grande segunda parte contra a Grécia. Depois acabei por não ir ao Euro apesar de ter feito parte da pré-convocatória. Porquê? Porque cheguei lá sem velocidade nenhuma - até o Baía era mais rápido do que eu (acho que contei isso no livro, não foi?). Mas faria o mesmo! Tinha 29 anos, pá.

Em tanto clube na tua vida, onde é que viste mais doping? Nos grandes, médios ou pequenos?

Nos grandes, nada. Repara: na altura já havia controlo-surpresa e os grandes são mais controlados. E as coisas na Liga dos Campeões, na Taça UEFA e tal são muito controladas também. Agora, se nos dopavam ou não, não sei. Davam-nos vitaminas, "ene" vitaminas. Conscientemente, não tomei nada.

Então encontraste mais doping onde? Belenenses, Boavista?

Por aí, por aí [gargalhada].

E quantas vezes te dopaste?

Bom, para já não me arrependo. Posso dizer-te que posso contar pelos dedos de uma mão as vezes que me dopei na carreira. Não fiz isto uma vida inteira. Mas houve jogos importantes europeus, com prémios altíssimos, em que arrisquei. Quem é o avançado europeu que referes no livro? O tipo que era um grande cabeceador e a quem tu ganhaste as bolas todas de cabeça estando dopado?

É verdade! Era o Klinsmann [Boavista-Inter, para a Taça UEFA em 1991-92], do Inter de Milão [gargalhada]. Ele era uma máquina a saltar e não me ganhou uma bola de cabeça, vê lá. Ele, um dos melhores cabeceadores do mundo, contra um tipo que não jogava nada de cabeça. Eu era mesmo um zero à esquerda no jogo de cabeça.

Explica-me uma coisa: os treinadores falavam contigo para te dopares?

Nunca, nunca. Ilibo-os a todos nestas histórias. Era sempre ou o médico ou o massagista. Nem directores nem nada. E digo-te que muitas das vezes os treinadores não sabiam nada disso.

E como é que se dopavam?

Injecções ou comprimidos. Mas sempre antes dos jogos. Houve uma vez um que tomou qualquer coisa mesmo antes de entrar em campo - estava como suplente - a poucos minutos do fim. Quando acabou o jogo, esburacou as paredes do balneário à cabeçada [gargalhada]. Sabes que quando escrevi o livro vi uma reportagem sobre o Pervitin, que era aquilo que nos davam, e nessa reportagem dizia-se que quem tomava aquilo eram os nazis no tempo da Segunda Guerra Mundial. Vê lá bem a coisa. Aquilo é fortíssimo e tinha de ser dado antes do jogo para aquilo diluir durante a partida.

 

In ionline.pt

 


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