R - Mais tarde voltou como treinador principal...
MF - Que era um dos meus maiores sonhos. Mas quando cheguei ao
Sporting senti logo que tinha sido enganado. Mal cheguei pensei logo em
sair, porque soube imediatamente que o clube tinha contratado outro
treinador. Mas como houve reações contrárias dos adeptos, foram buscar
um homem da casa para dar uma satisfação ao povo, com o intuito de o
calar. Quem se entalou fui eu.
R - Era o Mourinho quem estava para ir?
MF - Exatamente, era o Mourinho. Pensei melhor e fiquei: estava no
meu clube, sentia o carinho das pessoas e, mesmo sem ter escolhido a
equipa, aceitei geri-la, na esperança de fazer um grupo à minha imagem
na época seguinte.
R - O que lhe dizia Luís Duque, líder do processo?
MF - Não dizia nada, embora tivesse sido ele a levar-me para o Sporting.
R - Mas foi ele também quem tratou de tudo com Mourinho...
MF - Pois foi. Por isso eu digo que fui enganado. Mas o pior é que,
quinze dias ou um mês depois disso, saiu do clube. Nessa altura percebi
o que me esperava. A certeza de que não continuava aconteceu quando
ganhei 3-0 ao Benfica e conquistei a Supertaça ao FC Porto. Tudo porque
não aceitei ficar com um futebolista sem classe para jogar no meu clube.
R - Quem era o jogador?
MF - Cáceres, um anãozinho que para lá andava e por quem o Sporting
já pagara 60 mil contos pelo empréstimo. A contratação definitiva
ficaria em 400 mil contos. Atirei-me ao ar e disse que o meu clube não
pagava essa fortuna por um jogador daqueles. Assinei nesse instante a
sentença de morte no clube. Foi pena, porque havia uma boa base de
trabalho. Era só varrer o lixo que para lá andava e dar uns retoques no
resto. Tenho a certeza de que hei-de regressar um dia, noutras
circunstâncias.
R - O que lhe parece esta fase eleitoral no clube?
MF - Vai ser complicado. O clube está com boa dinâmica e continua a
tirar partido da formação, embora nem sempre surja o tal craque para
fazer a diferença. Já se sabe: nem todas as colheitas são boas.
R - Paulo Bento devia continuar?
MF - Penso que sim. É verdade que, em quatro anos, os sportinguistas
gostavam de ter um título, mas não se pode ter tudo. Para resolver
alguns aspetos financeiros tem de prescindir de alguma coisa. Ganhar
umas taças, valorizar jogadores e fazer dinheiro com sucessivas
presenças na Liga dos Campeões acho que é um bom balanço.
R - E quanto a Filipe Soares Franco?...
MF - Só estranhei ouvi-lo dizer que não continuava, porque está
inserido num projeto, no qual desempenha papel relevante. Mas há uma
pessoa cuja saída me deixa um travo amargo: Miguel Ribeiro Teles. Nos
seis meses em que estive no Sporting foi a única pessoa a quem
reconheci condições para liderar o clube. Para o futuro, seria
fundamental manter Ribeiro Teles e Paulo Bento.
R - Como maior figura do futebol leonino nos últimos 40 anos, sente
que é exemplo de que o Sporting não trata bem as suas principais
figuras?
MF - Não, não, o Sporting não tem nada a ver com as pessoas que,
momentaneamente, o dirigem. A massa associativa trata-me com um carinho
extraordinário. Sinto-o na rua e nos núcleos que vão reclamando a minha
presença um pouco por todo o país. Mas eles também sabem que amo o meu
clube e que sou uma pessoa pura e sincera. Para mim o Sporting é aquela
camisola verde e branca às listas, que em miúdo desejei vestir nem que
fosse uma vez na vida - e vesti umas 600. Não sei se isso me prejudica,
mas não posso esconder que a minha loucura no futebol foi, é e será o
Sporting.
R - Mas o Manuel Fernandes nem sempre foi tratado como merece...
MF - Compreendo o que quer dizer. Não sei se é por inveja ou por
ciúme, mas sinto que nem todos gostam da paixão que os adeptos têm por
mim. Como sócio, sinto-me feliz por ter o respeito e o carinho dos
adeptos do Sporting. Para o ano, gostava de ser eu a entregar o emblema
dos 25 anos de sócio ao meu filho. Acho que ninguém me vai impedir de
fazê-lo.