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Sexta, 29 Março 2024
O MEDO FAZ «PENALTIES» E NELSON… FAZ MEDO PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
Sábado, 20 Setembro 1969 22:44

690922sporting_u_tomar_smallI Divisão – 1969-70 – 3ª Jornada (20.09.1969) – Sporting – U. Tomar – 5-0

Ouvimos um adepto do Sporting dizer:

- Estamos a jogar tão bem que até já temos «penalties» e tudo…

Nem o adepto referido sabe quanta razão tem, mas por outro caminho que não o da ironia que, evidentemente, ressumava do seu reparo.

No entanto, é assim: as equipas que «jogam bem», que jogam mais têm mais «penalties» e não estamos a insinuar que, por um motivo ou outro, os mais poderosos estão mais protegidos… especialmente, pelos árbitros.

 

Cada vez mais, jogar bem, jogar mais é ter um bom ataque, ter avançados que chutem e que façam golos, porque jogar bem à defesa é muito mais fácil, quase todas as equipas têm boas defesas e, então, a do Sporting é, há muitos anos, considerada a mais forte do país , sem que daí tenham resultado para o clube os títulos mais ambicionados.

Avançados que chutem e que façam golos é que, precisamente, têm faltado ao Sporting nos últimos anos, de tal modo que até a sua própria defesa se comprometia, porque jogava sempre sob pressão, na iminência de um golo sofrido, um golo apenas, poder traduzir uma derrota ou um empate.

Avançados que chutam e que fazem golos é, pelos vistos, aquilo que o Sporting tem agora, graças ao ingresso de Nelson e, sobretudo, graças ao regresso de Fernando Vaz… Chutam tanto que, em África, fizeram aqueles golos todos ao Benfica e, agora, no Campeonato, na prova real, já vão com onze golos marcados em três jogos: quatro ao Sporting de Braga, dois em Setúbal e, anteontem, cinco ao União de Tomar, que até estava também à frente da classificação, com duas vitórias nos dois primeiros jogos.

 

O Sporting vai com 11-0 nestes três primeiros jogos, mas a série de zeros da defesa é normal, acontecia também com frequência anteriormente. Só que registava sempre alguns empates de 0-0 e, agora, o Sporting nem sequer tem ainda vitórias tangenciais. A menor (2-0) é até a maior, por ter sido arrancada em Setúbal a um Vitória que ainda tem muito de Fernando Vaz, como aqui tivemos oportunidade de assinalar no último número, a propósito do encontro dos setubalenses com os romenos do Rapid.

Na verdade, quem esteve em Alvalade na quinta-feira e no sábado últimos (muito mais gente anteontem do que no jogo das Feiras) pôde surpreender muitos traços comuns no Vitória e no Sporting, como sejam a preocupação evidente de fazer correr a bola, em vez das despropositadas correrias dos jogadores, o apoio que o jogador de posse da bola recebe dos companheiros, tendo sempre um a quem passá-la, porque cada qual mantém a preocupação de o acompanhar e de se desmarcar. E nenhum pensa que, fazendo o passe, já fez a sua obrigação e pode parar, ficar-se, em vez de continuar integrado no lance para o que der e vier… E tantos outros pormenores individuais que contêm o segredo de um bom jogo colectivo.

 

É evidente que, para tudo isto, necessário se torna que a equipa esteja de tal modo compenetrada das suas funções que todos se dêem a todos sem reservas, é isso que se verifica e é sensacional, por tão depressa se ter radicado esse companheirismo e por tão depressa se ter revelado um apuro físico que muito exige de presença junto da bola, junto do companheiro que tem a bola.

Note-se, porém, que o esforço maior exigido neste capítulo é compensado pela menor canseira dos rasgos individuais em que só Gonçalves continua ainda a incorrer, por demais viciado. Trata-se, agora, de uma tarefa comum, muito mais repartida por todos e tanto assim é que, anteontem, na equipa do Sporting, tirando o caso particular de Nelson, não houve um jogador que por demais sobressaísse, não houve um jogador que, por uma questão de brio exacerbado, sentisse a necessidade da exibição «heróica» que empolgasse e arrastasse para a luta os companheiros apáticos.

 

Não se viu nada disso. O que se viu anteontem foi toda uma equipa a jogar bem, a jogar certo e… a chutar e a meter golos.

Voltámos, pois, ao caso particular de Nelson e dos remates e dos golos e dos «penalties»… Ao caso de Nelson que esteve nos quatro primeiros golos do Sporting e que é o principal causador de o Sporting já ter «penalties» e tudo…

É lógico: quem tiver os avançados mais perigosos tem mais «penalties» a seu favor, porque os defesas contrários têm mais medo deles. Um avançado afirma-se, faz a sua cotação e até o seu preço através dos golos que marca e Nelson, neste começo da época, África incluída, tem vindo a revelar uma eficácia tal que necessariamente o torna temido. É por isso que, quando ele entra na área com a bola e em boas condições de remate, um defesa tem de tentar tudo… O árbitro assinalará o «penalty» ou não, o «penalty» será ou não convertido em golo, mas um Nelson, ou um Eusébio, ou um Torres, livres de chutar na grande área, fazem golo com certeza… O próprio Marinho, que, na época passada, não merecia um «penalty» («não vale a pena, porque ele falha o remate» – pensariam os defesas contrários) já agora está outro, realmente. Há Marinho e Marinho, na verdade… Vá-se preparando, porque, a entrar assim na grande área e a chutar assim, vai passar a ser muito mais castigado. Lógico.

 

Anteontem, no entanto, Marinho não meteu nenhum golo e, de resto, o próprio Nelson só fez um dos cinco golos da sua equipa, mas esteve nos quatro primeiros, inclusivamente porque foi ele o derrubado nos dois penalties que Peres transformou… Até poderia não ter metido nenhum (teve um remate à trave), se fosse ele a propiciar os golos dos companheiros. O que é preciso é que os golos apareçam, porque, sem eles, nada feito.

O primeiro «penalty» apareceu logo aos dois minutos, mas, antes disso, já Nelson tinha executado, porventura, o seu melhor remate da noite, certamente o de mais difícil execução, de cabeça, de viés, num golpe de rins admirável, logo no início, a centro de Marinho, da esquerda… Depois, pelo tempo fora, foi todo um festival de remates de longe e de perto, em jeito e em força, sem darem golo, é certo, mas não em pura perda, pois é desta insistência nos remates que os golos aparecem como é da quantidade que se extrai a qualidade. O guarda-redes, toda uma defesa, afinal, sofrem assim um desgaste tal que, mais tarde ou mais cedo, dele têm de se ressentir e começam, então, a surgir os golos fáceis, porque a fadiga e a saturação diminuiram as resistências.

 

Nelson foi, pois, a primeira figura do Sporting e do encontro e lá vem, agora, a pergunta: «Como é que o Benfica dispensou este Nelson?»… por mais óbvia que se torne a resposta: – «Porque tinha e tem um Eusébio e um Torres»…

É verdade que Nelson é mais novo, mas é um bem para o futebol português que o Benfica não tenha de reserva na «reserva» todos os jovens valores que vão aparecendo e têm de aguardar a sua hora. Para o Benfica pode ser desagradável, neste momento, saber que tem um Nelson contra (e, em Lourenço Marques, ele já se explicou bem, nesses jogos com o Benfica), mas coisas destas acontecem e sempre têm acontecido em todos os clubes de primeiro plano. Estamos a lembrar-nos, por exemplo, dos guarda-redes reservistas que o Sporting teve de largar, durante o longo e brilhante reinado de Azevedo, e que, noutros clubes, como Martins, no Benfica, e Barrigana, no F. C. Porto, não só negaram muitas vitórias ao Sporting como atingiram até a internacionalização.

 

Quanto aos «penalties»


Os sócios do Sporting assobiaram longamente a equipa de arbitragem, à saída, tanto ao intervalo como no fim e, ao intervalo, já Francisco Lobo tinha assinalado dois «penalties» a favor do Sporting. Logo, para o público da casa, esses dois «penalties» foram não só evidentes, mas também insuficientes, porque «não se pode jogar com uma defesa assim como a do União de Tomar»…

Para os visitantes, claro, nem um ou outro lance foram irregulares, mas «é sempre isto, já se sabe, quando uma modesta equipa da Província, vem jogar a «casa» de um grande senhor de Lisboa»…

 

O crítico, como o árbitro, metido no meio desta «freguesia», péla-se por poder ser equitativo, salomónico e, aqui, a tentação toda é a de dizer que um «penalty» sim e o outro, não… Ou melhor, um talvez sim, o outro talvez não… Já sabemos tão bem que é assim que vai ser interpretada a nossa opinião que não nos custa nada a antecipar o juízo, porque, em autogozo, custa muito menos…

A verdade é que nos pareceu mesmo que Faustino se atravessou à frente de Nelson, passando-lhe uma rasteira com todo o corpo, mas já não nos pareceu faltosa a entrada de João Carlos, no segundo «penalty»… A verdade é que, em Alvalade, a Imprensa fica muito longe do campo, de modo que, nestes casos, trata-se quase mais de um palpite do que uma convicção e seria até estultícia pretendermos ver melhor esses lances do que o árbitro que está em cima deles.

 

Ora aí estão, afinal, umas quantas soluções mais cómodas ainda: «do lugar onde nos encontrávamos…» «se o árbitro viu é porque sim…», etc…. O que vimos muito bem – porque, para os «off-sides», o nosso lugar lá no alto só nos favorece – foi o desencontro de opiniões da equipa de arbitragem e a desatenção dos fiscais de linha e, assim, aqui fica feita a apreciação ao trabalho do árbitro. Não vem no fim, pois não. É preciso variar em alguma coisa…

 

União, boas aquisições


É altura de falarmos também um bocadinho do União de Tomar, embora bem se compreenda, decerto, a prioridade dada à equipa que ganhou 5-0 e que é um autêntico candidato ao título, ao passo que a presença do União no comando da tabela tinha todo o aspecto de acidental. E era. E ninguém se terá chegado a iludir a esse respeito…

De qualquer modo, apesar de copiosamente batido, o União não impressionou mal e deve ser um adversário temível em «casa»… quando tiver «casa», pois, como se sabe, o seu campo está a ser arrelvado.

 

Quer-nos parecer mesmo que o União terá sido das equipas da I Divisão que melhores aquisições fez esta época, se bem que João Carlos estivesse longe do plano que atingiu no Atlético. A breve trecho, logo a seguir ao 1-0, vimo-lo pôr uma coxa elástica e é natural, pois, que jogasse diminuído. E faltou-lhe também Candeias, até porque o seu parceiro de anteontem, Faustino, esteve desastrado.

Mas já o outro ex-Atlético, Tito, nos parece capaz de singrar, tomou iniciativas e, no seu passinho miúdo, lá foi, lá foi, mas aquela defesa do Sporting é que não é para graças. Esse poder mais o sentiu, ainda, o ex-benfiquista Vieira, que é bem capaz, no entanto, de maior rendimento, tal como Manuel José, que começou bem, mas cedeu. O mesmo se diga do brasileiro Cláudio, de modo que Ferreira Pinto cedo se viu desamparado no «miolo», mas continuou, assim mesmo, a ser o jogador mais esclarecido da equipa até final. O de melhor rendimento foi, porém, o guarda-redes Conhé, cinco vezes batido sem culpa e cinco vezes, pelo menos, a safar bolas difíceis que poderiam ter dado outros tantos golos.

A equipa sabe jogar, sabe estar, sabe trocar a bola, pô-la no chão e pode, pois, registar sensível melhoria, quando se der o possível entrosamento entre os recrutas e os praças velhas.

 

Sporting, táctica especial


Já falámos de Nelson e Marinho de sobejo e não adianta falar da defesa do Sporting porque está na mesma, muito obrigado… Está muito bem, mesmo com esta nova dupla Alexandre-Caló, que nada fica a dever à outra mais usada na época anterior: Armando – José Carlos… Para Caló nem sequer se deu o caso de se impressionar com os seus colegas da época passada, porque só lhe apareciam Tito e Vieira, que, na época passada, nem estavam em Tomar.

Onde há mais que dizer, por maior diferença, é no meio-campo. Diferença para melhor, naturalmente, graças a um processo engenhoso de Fernando Vaz, que faz os homens dessa tarefa central prestarem-se uma assistência mútua admirável. Dir-se-ia que cada qual está à vontade porque tem as costas quentes e esta protecção dá um gosto de jogar, dá uma alegria no trabalho que dá gosto ver. Agora, vê-se os jogadores do Sporting a quererem a bola, ouve-se pedirem-na de uns para os outros, correndo ao lado, desmarcando-se, acudindo aqui e além, perseguindo o adversário que se apossa da bola até o desarmar.

 

Os pessimistas dirão que um tal apuro técnico e uma tal condição física, nesta altura da época, até assustam, porque podem fazer recear pela curva da «forma», mas deixemos, por ora, os pessimistas, porque a verdade é esta: o Sporting tem um técnico sabedor e bons suplentes. Ontem, não jogaram Carvalho, Armando, José Carlos, Oliveira Duarte, Chico e Ernesto, enquanto Celestino e Lourenço foram apenas suplentes utilizados.

Se se quiser expressar em números o novo processo táctico de Fernando Vaz, tem de se hesitar entre o «4x3x3» e o «4x4x2». Este último dispositivo pode parecer à primeira vista demasiado defensivo, contrariando o estilo ofensivo do jogo sportinguista, aliás, bem expresso na fartura de golos que se vai verificando, mas a verdade é que o Sporting só tem dois avançados-obrigatoriamente-avançados: Nelson e Marinho.

 

O «4x3x3» é, porém, efectivamente, mais verdadeiro, porque, além desses dois, o Sporting tem sempre, pelo menos, mais um homem à frente. Só que esse terceiro atacante é incerto, sai, conforme as circunstâncias aconselham, deste quarteto do meio-campo: José Morais, Gonçalves, Pedras e Peres. O processo é hábil, exige dos jogadores esclarecimento, sentido das oportunidades, conjugação de esforços, mas a verdade é que eles estão a dar perfeita conta do recado, talvez até porque ao valor próprio se junta agora confiança nos próprios recursos e esse é, muitas vezes, o grande segredo dos grandes técnicos: levar os jogadores a acreditarem em si próprios.

 

O processo do Sporting será, pois, um «4x3x3», só que o terceto da frente é constituído por Marinho, Nelson… e outro. E note-se como qualquer dos «outros» (Gonçalves, Pedras, Morais) tem marcado golos, sem falar nos «penalties» de Peres.

Deste modo, tanto se pode dizer que o Sporting só tem dois avançados como se pode afirmar que tem três. É à escolha…»

 

Estádio de José Alvalade, em Lisboa

Árbitro – Francisco Lobo, de Setúbal

SPORTING – Damas (2); Pedro Gomes (2), Alexandre Baptista, «cap.» (2), Caló (2) e Hilário (2); Gonçalves (2), José Morais (2) (78m – Celestino (2)) e Pedras (2); Nelson (3), Marinho (2) e Peres (2) (70m – Lourenço (1)

U. TOMAR – Conhé (3); Kiki (2), João Carlos (2), Faustino (0) e Barnabé (2); Ferreira Pinto, «cap.» (3), Manuel José (1) e Cláudio (2);  Leitão (1) (45m – Alberto (0)), Tito (2) e Vieira (1)

1-0 – Peres (pen.) – 2m
2-0 – Nelson – 37m
3-0 – Peres (pen.) – 39m
4-0 – Gonçalves – 65m
5-0 – Celestino – 84m

 

«No primeiro tempo, 3-0.

Aos 2 minutos, 1-0, de «penalty» assinalado por derrube de Faustino a Nelson e transformado por Peres.

Aos 37 minutos, 2-0, num excelente remate de Nelson.

Aos 39 minutos, 3-0, igual ao primeiro, só que foi João Carlos a derrubar Nelson. Peres mudou de lado, mas o êxito foi igual.

Na segunda parte: 2-0.

Aos 20 minutos, 4-0. Um «livre», um ligeiro desvio de cabeça de Nelson (que assim assinalou a sua presença nos quatro primeiros golos do Sporting) e outro ligeiro toque de cabeça de Gonçalves, a trair Conhé, que saira para o remate de Nelson.

Aos 39 minutos, 5-0, num belo «tiro» arrancado por Celestino de fora da grande área, com o pé esquerdo.

 

In http://uniaotomar.wordpress.com - (“A Bola”, 22.09.1969 – Crónica de Carlos Pinhão)


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