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José Eduardo: "Parti a perna ao Jordão e ainda o insultei. Pensei que estava a fazer fita" PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
Sábado, 12 Fevereiro 2011 11:23

110212_jose_eduardoQuatro temporadas no Sporting, as pazes com Jordão, as noites de champanhe com Malcolm Allison e Oliveira. E já agora, o futuro do clube

 

Alvalade, tudo normal, talvez demasiado. A vida segue tranquila pelo Alvaláxia, meio vazio, onde apenas uns velhotes se passeiam e uns miúdos estudam. Isto não é o Egipto, José Eduardo Bettencourt bem diz que o poder não caiu na rua. Vamos ao encontro de José Eduardo, um daqueles que sente a crise bater-lhe forte. Foi campeão, treinado por Malcolm Allison, jogou ao lado de Jordão (antes partiu-lhe a perna) e viveu outros tempos. Aí está a entrevista.


Como é que começou?
Tarde, no Domingos Sávio. Depois joguei no Atlético, numa equipa óptima. Tínhamos todo aquele ambiente, os dérbis com o Belenenses, às vezes ganhávamos no Restelo e depois perdíamos na Tapadinha... aquilo era a Lisboa boémia, a vida de bairro que hoje passa ao lado de muita gente – não houve uma senhora que morreu e só a descobriram oito anos depois? Isto não é possível!


E Portimão?
Joguei com o pai do João Moutinho, o Nélson Moutinho. É terra de pescadores, quando lhes caímos no goto adoram-nos. Quando ia ao cais ofereciam-me peixe, até chegava a ter vergonha.


Já ganhava dinheiro?
Ganhava, mas se lhe disser quanto você ri-se. Quando estava no Atlético ganhava dez contos por mês, o que era uma fortuna! Tinha o meu carro, era independente, solteiro... ouça! Em Famalicão treinava e ia para as aulas do ISEF, no Porto – sempre pensei que ia ser treinador. Tinha a primeira aula (natação) e o sacana do professor, sabendo que jogava futebol, punha-me a fazer piscinas. Deixava-me num estado lastimável! Mas tinha algum dinheiro, andava de carro e dava boleias. No final da época os meus colegas fizeram um jantar para me agradecer as boleias. Eu era solidário, tinham pouco dinheiro e ia almoçar com eles na cantina. Sabe como são as cantinas! Passava uma fome! Parecia um pau, magro, mas andava lá com gosto!


Que equipa era essa no Famalicão?
Vítor Oliveira, Jaques e Tibi, que lá no Norte se dizia "Tivi". O primeiro guarda-redes – dizia ele com piada – que socava a bola com a mão direita e com a mão esquerda.


É nessa época, 78/79, que parte a perna ao Jordão. Como é que fez isso?
Quantas vezes é que já jogou à bola, quis dar uma cacetada num tipo e não conseguiu? E quantas vezes acabou por dar sem querer? Foi uma coisa incrível, tenho tudo gravado na cabeça. Pensei que o Jordão estava a fazer fita e ainda o insultei quando ele estava no chão. "Levanta-te meu maricas, meu pane..."; levanta-te lá, estás a fazer a ronha!" Depois gerou-se aquilo tudo: o treinador do Sporting saiu do banco, deu a volta ao campo e veio insultar-me, tinha o estádio todo contra mim...


Pois, o jogo era em Alvalade.
Foi do lado da bancada sul, antigo peão! O resto do jogo foi a equipa do Sporting a tirar de esforço comigo. Lembro-me do Keita, num canto, a ver se me pisava. No final do jogo os sócios assobiavam, faziam-se aos jornalistas. O falecido Neves de Sousa, que teve o azar de dizer que o lance lhe pareceu sem intenção, acabou por ver a cabine de rádio invadida. Tomei banho, tinha o meu pai à minha espera na porta 10 A, mas lá fora estava um ambiente de cortar à faca. Pego no meu pai, avanço e abrem-se alas... Oiça! Naquela altura bastava um tipo dar-me um toque e eu era linchado ali, bastava o clique! Quando chego à porta do autocarro, o treinador do Famalicão [Mário Imbelloni, um argentino que até treinou o Sporting em 1959/60 – estreou-se com um 6-1 ao Porto] passou à minha frente e levou com uma pedra que lhe abriu a cabeça! Aquilo era para mim. Entrámos no autocarro e eu, armado em campeão, sentei-me no lugar do guia. Campeão do mundo! Chegamos à churrasqueira [do Campo Grande] e o autocarro parou, com polícia atrás e à frente, veio um velhote com um miúdo (depois vim a saber que era o avô e o neto) e bateu na porta do autocarro. Disse ao motorista para abrir, porque o senhor queria falar – eu é que estava a dirigir aquela orquestra toda! – e a polícia de choque dá-lhe com o cassetete nas costas. O homem cai de joelhos e diz: "Eu sou de Famalicão, só queria apoiar a equipa!" E o miúdo a chorar! Arrancámos, pedrada de malta que estava atrás das árvores e eu ali à frente. No dia a seguir estava doente, não me conseguia mexer com os nervos. Aguento muito bem o stresse, mas isso paga-se mais tarde, no dia a seguir.


O pior é que se tornou colega do Jordão!
Meses depois era jogador do Sporting. Na noite da lesão do Jordão cheguei a casa e disse à minha mulher: Sporting acabou-se, agora só Benfica ou FC Porto. Era sportinguista mas tinha as portas fechadas, de Rio Maior para cima era um tipo fantástico, daí para baixo era um bandido. Bom, hoje o Jordão é um dos meus irmãos. Quando cheguei, nos primeiros treinos estávamos sempre lado e éramos fotografados juntos. O Jordão era um senhor e é um grande amigo.


Como foi o primeiro dia no Sporting?
Estava nervosíssimo, nos testes médicos... Sabe que a coisa não é nada como agora, um reforço chega e é um herói! Eu não era ninguém, tive direito a uma notícia pequena n"A Bola".


Quem é que o contratou?
Recebi um telefonema de um vice-presidente do Sporting, Sousa Marques. Não me espalhei por sorte, porque pensei que era um dos sacanas dos meus amigos a gozar comigo. Pedi-lhe o número de telefone e liguei de volta, só depois percebi que era da empresa do João Rocha. "Afinal isto não é brincadeira!" Lá fui, mas completamente impreparado.


Porquê?
Porque não tinha formação, comecei a jogar tarde. Ouça! Comecei a jogar com 16 ou 17 anos, depois entrei no Sporting sem experiência e ainda por cima envergonhadíssimo. Chego, começo, o treinador era o professor Rodrigues Dias (79/80) e os três laterais na altura eram o Inácio, Artur e eu. O Inácio e o Artur, ambos da selecção! O Rodrigues Dias pega em mim, põe-me a titular, Artur à esquerda e Inácio no banco. Na cabine, o russo – o Artur! Grande jogador! – protestava porque não queria jogar à esquerda, o Inácio falava porque era da selecção e não podia estar no banco. E eu... envergonhado, fiquei na minha. Se fosse hoje teria dito qualquer coisa. Saí da equipa e amuei, o que é erradíssimo!


Como era o Sporting que encontrou?
Uma equipa de guerreiros. Duas estrelas – Manuel Fernandes e Jordão – e nove tipos a lutar que nem uns cães, à Sporting, que é o que agora defendo no meu projecto. Só quem vive isto é que sabe. "Pressing" alto, luta constante pela posse de bola, muito sofrimento, saber rasgar, saber aparecer e não ter medo de passes de ruptura – agora toda a gente tem medo. Era uma equipa de lutadores. Eurico, Inácio, Artur... grande equipa! Artistas? Não, mas uma equipa competitiva, como acho que deve ser o Sporting. O estilo do Benfica já não é assim, o do FC Porto também é outro. Perdemos o estilo devido a uma miscelânea e a uma falta de liderança, porque as pessoas não sabem o que é o clube. As equipas não funcionam só com orçamentos. A questão dos 50 milhões [nestas eleições], o dinheiro... o Sporting nos últimos tempos gastou 38 milhões e resolveu alguma coisa? Podemos ir buscar um Liedson, um Hulk, um Jordão, isso ajuda mas não é tudo.
Ou então ir buscar um Oliveira... Já vamos às eleições, mas fale-nos primeiro da época 1981/82, a do último título antes do jejum, em que chegam Oliveira e Meszaros, treinados por Malcolm Allison.

 

Era o Sporting de vitórias e noitadas em Paris.
E noitadas na Bulgária...


Como foi essa?
Ouça! Um jogador de futebol quanto tem 20 anos tem direito a tudo, ontem, hoje e amanhã! Quem disser o contrário não sabe do que está a falar.


Pelo menos enquanto ganha jogos ninguém o critica.
Sim, claro, mas faz parte! Aos 20 anos, atleta, com uma perspectiva narcisista da vida, faz-se tudo... Esse ano do Allison foi fantástico mas joguei muito pouco, porque não o consegui perceber. Amuei com os métodos diferentes porque tinha a mania que percebia daquilo. Allison até trouxe um tipo para nos ensinar a dançar, um bailarino, bom... não era para dançar, era para nos dar expressão corporal e equilíbrio.


Mas era um preparador físico?
Não, não, dançava. Era o Mr. Lenny [Hepple]... pouca gente se lembra disto, Lenny... mas para um jogador da bola, um indivíduo daqueles...


Uma coisa nada máscula.
É bicha! Ouça! Malta nova que só pensa em namoradas... aquilo era uma coisa muito cor-de-rosa! Bom, eu não estava preparado para aquilo, no ano seguinte é que percebi que aquele treinador estava a romper com todos os cânones, com aquilo que eu sabia e como sou de aprender fui ter com ele e pedir desculpas.


Allison aceitou-as?
Sem ressentimentos! O Allison era um senhor, ia para a conferência de imprensa com um charuto e uma flute de champanhe. Neste Portugal pequenino não se percebia! Creio que num jogo com o FC Porto ele deu uma volta ao campo a pedir o apoio dos adeptos! Isto não se fazia, éramos uns salazarentos! Depois, nas férias fui treinar para o Gerês, para me apresentar em forma na temporada seguinte. Lembro-me de o Allison dizer: "Olha, o reforço é o Zé Eduardo". Começou a pôr-me a jogar até ir-se embora.


Malcolm Allison saiu mal.
Saiu mal com aquela história da Bulgária, culpa de um artista, de alguém que estava cá dentro.


Acusado de copos e noitada.
Meu amigo, quando não queremos algo acusamos todos os tipos de defeitos.
António Oliveira disse numa entrevista que a cama de Allison já estava feita para vir Jozef Venglos.
Mas a cama foi feita pelo Oliveira! Quem substituiu Allison foi o Oliveira [Venglos veio mais tarde]! Denunciei isso num jornal. Isto é importante só para dizer uma coisa: esse erro de estratégia que destruiu uma equipa levou 18 anos a ser curado. Estivemos 18 anos sem um título. Tínhamos uma equipa que ia todas as segundas-feiras almoçar ao Faroleiro, bebíamos champanhe, depois íamos jantar, acabávamos nas Caves Mundial, todos, TODOS, até às seis da manhã! No outro dia íamos treinar e dávamos tudo. Havia uma máxima: "Vives como um leão mas tens de jogar como um leão!" Quando se fez a importação de jogadores do Porto acabou-se com esse espírito e começou a cavar-se a travessia do deserto. 18 anos.


Então o balneário não tolerou bem a chegada do OIiveira.
Aos 55 anos já não faço ajustes de contas com ninguém, mas é sabido que na altura o Oliveira, um jogador genial, do melhor que já vi, tinha... outras características que não o ajudaram a projectar-se como a qualidade indicava. Mas não quero falar nisso.


O José Eduardo sai do Sporting como?
Nunca fui um jogador de topo, como Oliveira, Manuel Fernandes ou Jordão. Quando as coisas começam a correr mal os jogadores parecem piores do que são, aliás, como acontece hoje no Sporting, porque a equipa não é tão má como parece. No meu tempo gerou-se aquela desagregação, vieram jogadores do Norte... eu também contribuí para a saída porque a determinada altura já sabia que ia ser dispensado. Como acontece agora com o Abel – já saiu uma notícia a dizer que vai ser dispensado, mas isto não pode acontecer! Muito menos quando é um indivíduo que faz bom balneário! A cultura de uma equipa não é só aquilo que joga. O ambiente, a brincadeira, tudo isso é importantíssimo. O Venglos chegou antes de acabar a época e eu já estava condenado; começou a agarrar-me, a elogiar-me, mas de um momento para o outro deixou de me falar. Percebi que tinha recebido a dica da cima. Mas eu também tive culpa.


Não é daqueles que diz que nunca se arrepende do que fez.
Só se fosse burro. Então não há tanta coisa que poderia ter feito melhor? Tantos erros de análise! Com o tempo temos de aprender, perceber isso e melhorar.


Daqui a uns anos, quando quiser ser presidente do Sporting, também poderá melhorar o projecto que agora colocou à disposição dos candidatos.
Tem toda a razão. O projecto é feito à luz dos meus conhecimentos, fi-lo em dois meses, ou melhor, em 35 anos e dois meses. Admito que possa melhorá-lo.


Vamos insistir: admite ter a expectativa de ser presidente do Sporting? E que este projecto lhe dá uma boa almofada para poder candidatar-se no futuro?
Ainda agora recebi uma mensagem [pega no telemóvel e começa a ler um sms]. "Muita gente a pedir José Eduardo a presidente; até já se fala num movimento de apoio a José Eduardo". Mas isto não chega. O que eu mais desejo é que o próximo presidente do Sporting se mantenha vinte anos no clube, é sinal que eu depois não sou preciso. Mas é evidente que para irmos à vindima as uvas têm de estar maduras e eu, neste momento, estou a amadurecer a minha perspectiva de clube. Encaro como uma eventualidade o enorme prazer e orgulho de ser presidente do Sporting, mas o meu desejo é que isso não aconteça.


Braz da Silva saiu de cena e ganha peso o movimento dos barões, de Godinho Lopes. Alguém o contactou?
Tenho excelente relação com a maioria das pessoas que fazem parte dessa última tendência, não me revejo é no projecto. Não é o modelo de estrutura que sirva o Sporting e mais uma vez, se os sócios forem por aí, julgo que estarão iludidos. Temos dois patamares, o de 26 e o de 27 de Março. No dia 26 é preciso ganhar as eleições e isso é relativamente fácil; no outro dia é preciso uma equipa para começar a trabalhar, mas qual é a equipa? O problema do Sporting é tão grave que é preciso gente para trabalhar. Isto não é só chegar aqui, como nos dois últimos títulos, acertar em dois ou três jogadores e ganhar o campeonato. Esses títulos deixaram-nos de pantanas, o problema financeiro do Sporting vem desde essa altura. Nunca como agora houve tantas condições para explicar aos sócios qual é a realidade.


E o que acha que vai acontecer nestas eleições.
Não sei... Há um candidato novo, Bruno de Carvalho, que ninguém sabe bem quem é. Estava disponível para falar com Braz da Silva, estou disponível para falar com Godinho Lopes, com Bruno Carvalho, com Dias Ferreira ou Rogério Alves, se vierem a combate. Dar-lhes-ei o meu ponto de vista, mas acho que este não é o caminho.


Um dirigente como Costinha vestia o perfil que idealizou para a sua estrutura?
Ah, não vamos por aí! No último ano e meio foram quatro personalidades diferentes que ocuparam esse cargo e não acredito que nenhuma delas não tivesse talento. As pessoas, mesmo as que se julgam preparadas para isto, são trituradas e imoladas pela estrutura, submersas pelos problemas, queimadas por esta fogueira de talentos. É uma vergonha queimar Pedro Barbosa, Sá Pinto, Salema Garção,  Costinha...


Mas é possível chamar as pessoas para Alvalade sem lhes garantir um "dream-team"?
É. E não se pode ceder ao populismo. Não acho que seja decisivo um presidente ter dinheiro – aqui o dinheiro não resolve nada, o clube tem um passivo de 300 ou 400 milhões, não há ninguém que o cubra, e o fundamental é ter juízo e um plano financeiro. As pessoas têm de acordar para a realidade e perceber que o clube está numa encruzilhada dramática, em risco de... falir? Só um cruzamento de interesses, na banca, evita que o clube vá à falência. O espectáculo é mau? Temos de melhorá-lo!


Ainda faltam 40 dias para as eleições. Este é o momento mais grave do clube?
Tivemos uma fase muito preocupante, também, com Jorge Gonçalves. Mas neste momento corremos o risco de isto começar a ser dominado pelas finanças; quando isso acontecer, perdemos o nosso valor intrínseco, o valor desportivo. Temos de ser racionais, por isso proponho uma equipa com apenas 20 elementos, apoiada numa equipa B competitiva, como fazem o Barcelona e o Villarreal.  Mas isto só se faz se desde os escalões de formação houver integração no sistema de jogo, à Sporting, para não falharem quando são chamado à equipa principal. Depois precisamos de um treinador com perfil adequado, que não é o que tem acontecido.


Há treinadores em Portugal para isso?
Há, mas tem de ser um treinador que se adapte ao perfil do clube. Em Portugal há bons treinadores, como Jesus ou Villas-Boas. Talvez seja altura de ir buscar um estrangeiro. Quem conhecia Malcolm Allison ou Eriksson? É preciso estudar isto, perceber, não pode ser apenas porque é amigo deste ou daquele empresário. No Sporting, isto tem de ser feito agora, a pensar na próxima época. Por fim, importantíssimo: a gestão do orçamento. Só podemos gastar 25 milhões? Então não saímos daí! Aparece oportunidade de se contratar um jogador, um Messe, vamos propor a operação! Há possibilidade, excelente! Não há, paciência.


O seu projecto também tem nome para um novo treinador?
Tem, mas não posso dizer. Pode ser que o projecto vá para cima da mesa de algum candidato.

 

In ionline.pt


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