AO «QUEIMAR» TEMPO TOMAR «QUEIMOU» A VITÓRIA: Versão para impressão
Segunda, 08 Janeiro 1973 23:01

730108damas_72_73_alhinho_u_tomar_sporting_smallNão se registou uma enchente, mas houve muito público no airoso Estádio tomarense, como era de prever, mesmo que o dia não estivesse – como esteve – magnífico. Tratava-se da visita de um «grande» e tratava-se, também, de um jogo que, em caso de derrota, colocaria o União em posição delicada – e que as gentes nabantinas por certo admitiam poder ser de vitória, em face da desluzida carreira que o Sporting vem fazendo.

Afinal, nenhum dos contendores ganhou. E digamos já que assim é que ficou certo, um ponto para cada qual, porque nem o União nem o Sporting tiveram actuação merecedora de triunfo e, se os tomarenses podem lamentar-se de terem estado a vencer só com dez homens e de consentirem a igualdade quando já ninguém contaria com ela, também é verdade que os lisboetas, pelo maior domínio que exerceram, fizeram jus a não retirarem vencidos.

Como se não bastasse, porém, o modesto futebol explanado pelos dois conjuntos, houve a expulsão de um jogador da «casa» e houve, também, o facto de o golo sportinguista ter surgido quando o árbitro já entrava em linha de conta com o tempo perdido pela equipa que estava a ganhar. E, desses dois factores, resultou um final muito triste – dos tais que fazem o descrédito do futebol e levam a que dele se afaste, cada vez mais, quem vai aos jogos para assistir a um espectáculo e não para sair de lá incomodado.

 

…Um final triste que meteu palavras (amargas, com certeza) de senhores engravatados (dentro do campo) e de jogadores do União, para o árbitro: mais de uma centena de espectadores saltando a vedação (excessivamente fácil de transpor, aliás) e aglomerando-se junto ao relvado, onde os agentes da autoridade tiveram de os suster; o árbitro e seus auxiliares lógica e humanamente receosos de recolherem à sua cabina, por terem de atravessar ou de passar muito perto dos espectadores que se encontravam onde não deviam ter podido chegar – enfim, mais uma série de cenas de que o futebol não tem culpa, porque não lhe pertencem, mas que mais razão dão aos que atribuem ao futebol o desequilíbrio, a perturbação de espírito e a falta de civismo que, infelizmente, entre nós se verificam, momento a momento, em todos os sectores e em todos os locais da vida que vai passando.

…E porque a arbitragem foi – como já se deixou ver – a base em que assentou tudo aquilo, comecemos por analisar, sem demora,o trabalho da equipa de arbitragem.

 

Expulsar e não expulsar


Joaquim Freire – nem sempre bem coadjuvado pelo seu «bandeirinha» Elísio Pereira – esteve longe de ser um árbitro perfeito. Teve diversos deslizes, sim senhor, nem sempre mostrando encontrar-se à altura da importância do jogo – de um jogo onde talvez não fosse difícil a previsão de poder haver «umas coisas».

Não teve o árbitro, porém, nenhum erro técnico clamoroso. Nada, absolutamente nada, que pesasse no resultado. E nos outros, nos pequenos erros que terá cometido, nada houve contra a equipa de Tomar – bem pelo contrário, pois, ao longo de quase todo o encontro, e, sobretudo na sua parte inicial, quando houve lances de dúvida, quase sempre as decisões do árbitro foram contra o Sporting, de forma nítida e que chegou a ser preocupante, quanto ao apuro final do seu trabalho.

Houve o caso do golo sportinguista, obtido numa altura em que Joaquim Freire já procedia àquilo a que se costuma chamar «descontos». Estamos com o árbitro, sem a menor hesitação, porque houvera, na verdade, razões de sobejo para que o jogo não terminasse no momento exacto em que estavam decorridos (à face de um relógio que não tivesse sido parado nas interrupções do duelo) 45 minutos sobre o início da segunda parte. Cada metade de um jogo de futebol tem de ter 45 minutos, é verdade, mas 45 minutos de jogo útil, 45 minutos em que a bola é jogada e em que só não é de considerar, exclusivamente, o tempo necessário para repor a bola em jogo.

 

Ora mesmo não contando já com os vagares de alguns jogadores tomarenses nas reposições da bola em jogo (mesmo antes de se encontrarem a vencer), quanto tempo se perdeu com a expulsão de Pavão? Quanto tempo levou o jogo a reatar-se, por causa dos protestos e mais protestos, junto do árbitro – a ouvir «das boas», com certeza, e (bem pior do que isso) a ser empurrado e puxado por diversos jogadores do União, que até obrigaram o técnico António Medeiros e Raul Águas (entre outros) a irem lá «buscá-los», numa atitude a todos os títulos notável e louvável?

«Seguramente, os dois minutos (só dois minutos) que o árbitro acabou por «dar a mais»…

…Se, assim, foi o que foi, que teria acontecido se o árbitro tem expulsado todos os jogadores que com ele discutiram e, pior ainda, o empurraram e o puxaram – conforme se sabe que está determinado aos árbitros?…

 

O árbitro, se procedeu mal, foi aí, foi ao não cumprir à risca as determinações que não deve ignorar e cujo não cumprimento rigoroso, quanto a nós, está muito na origem deste estado a que se chegou, que é o de só raramente se ver uma expulsão ou o assinalar de um «penalty» sem uma «assembleia» e sem um nunca mais acabar de palavriado e de empurrões e de puxões, tal como se o árbitro não fosse – e tem de ser sempre! – o juiz absoluto, a entidade máxima dentro do campo.

…E, neste caso de ontem (igual ou semelhante, note-se, a tantos outros que em tantos outros jogos se verificam), até aconteceu que o árbitro também teve a razão pelo seu lado. Razão, sim, para expulsar Pavão, porque o lance ocorreu junto à linha lateral, mesmo ali à nossa frente, pelo que não nos ficou a menor dúvida de que Pavão, desarmado em falta (não violenta) por Fraguito e já depois de o árbitro ter apitado, para punir, lançou o pé direito, nítida e deliberadamente, na direcção do adversário, que corria a seu lado e que só por mero acaso não foi atingido.

 

Não houve agressão, não senhor. Mas houve tentativa. E agressão ou tentativa só podem ser punidas com a expulsão, enquanto houver futebol.

Portanto, agora que o calor do despique já passou e que o resultado do jogo já não pode ser outro, que cada um dos espectadores exaltados ponha a mão na consciência e reconheça – serenamente, desapaixonadamente – que o árbitro se limitou a fazer aquilo que lhe competia, expulsando Pavão tal como viria a cumprir o seu dever, considerando (pelo menos) o tempo de jogo que nesse momento se perdeu. O árbitro teve apenas, o azar, pura infelicidade, de ser nesse período, nos tais «descontos», que o Sporting marcou o golo do empate, quando talvez já nem o próprio Sporting contasse com ele…

No capítulo disciplinar, porém, houve um facto em que o árbitro errou, rotundamente, na verdade. Foi ao não expulsar, também, Manaca, que agrediu Fernando (com um… «pontapé para trás») e nem sequer foi advertido, porque houve, realmente, um «cartão amarelo» mas para Fraguito, que terá dito alguma coisa ao árbitro. O «cartão encarnado» impunha-se, para Manaca, e ocorrendo apenas seis minutos antes da expulsão de Pavão, este lance (?) bem poderá ter estado na origem do problema em que a expulsão de Pavão redundou, porque o árbitro não teve, realmente, uniformidade de critério.

 

Uma coisa, no entanto, não invalida a outra. Um erro não se anula com outro erro. Onde o árbitro esteve mal não foi ao expulsar Pavão, mas sim ao não expulsar Manaca – que nem se limitou a tentar agredir, agr[e]diu mesmo.

E voltemos ao futebol, que já é tempo disso.

 

Jogar sem convicção


Já ficou escrito que o jogo, tecnicamente, não foi famoso. E vamos mais longe: bom futebol, futebol razoável, pelo menos, foi coisa que quase não se viu, por parte de qualquer das equipas.

O Sporting dominou mais, numa e noutra metade do encontro. E teve, por isso, mais tempo a bola em poder dos seus jogadores e foi a equipa, portanto, que mais deu a sensação de procurar a vitória – até porque não poucas vezes o seu ascendente territorial obrigou os tomarenses a recuarem e a deixarem na frente, apenas, dois homens, Raul Águas e Camolas (até marcarem o seu golo, porque, depois dele, o substituto Caetano nunca chegou a ser um avançado), já que Pavão foi quase sempre mais médio do que extremo.

 

Deste dispositivo posicional, é evidente que adveio a meio campo, vantagem numérica para o União, que ali dispôs quase sempre de quatro homens para os três que o Sporting, normalmente, ali teve (na primeira parte, Fraguito, Tomé e Dinis; no segundo tempo, Fraguito, Tomé e Nelson), mas os tomarenses não tiraram daí proveito manifesto, porque a regra foi ver-se ali imposição de superioridade sportinguista.

Aparentemente, estamos a cair num paradoxo, em função da vantagem numérica dos tomarenses e, também, em face da pontuação que atribuimos aos jogadores de meio-campo das duas equipas. Mas não. Não há paradoxo, porque entre o melhor dos médios de cada um dos lados, houve missões muito diferentes: de um lado, Fernando a jogar sobre a defesa e adiantar-se bastante pouco; do outro lado, Fraguito em funções diametralmente opostas, isto é, só raras vezes recuado e normalmente a «meter-se» na frente, a jogar muito perto dos seus dianteiros.

 

…E, ainda que Fraguito não tenha estado «em grande» (nem poderá estar, enquanto o Sporting continuar como está…), foi o que valeu ao Sporting – se não para ganhar o desafio, pelo menos para o não perder e para conseguir o mínimo que se poderia exigir à sua condição de «grande»: – não ser uma equipa dominada, territorialmente, por um antagonista de bem menores pergaminhos e de bem menos dilatadas ambições.

…E isto porque, quer a defender, quer a atacar, o Sporting quase não passou de uma sombra do que o Sporting tem de ser sempre. Nos movimentos ofensivos, uma impressionante falta de espontaneidade nas desmarcações (com excepção de Yazalde que muitas vezes correu para os «espaços vazios» e raras vezes teve lá o passe que pedia…) e uma consequente necessidade (?) de centros para «para o monte» por alto onde a vantagem não podia deixar de pertencer aos defesas antagonistas, de frente para a bola e muito decididos; nos lances de contra-ataque dos tomarenses, inequívocas e não menos impressionantes dificuldades para a defensiva «leonina» – em especial, nos dois «centrais».

 

…Dois «centrais» que ficaram ligados ao lance do golo (como pôde Camolas, já sem forças, e a pedir, há muito, para ser substituído, aparecer daquela forma, isolado, na sequência de um «canto»?) e que, por falta de velocidade (e já de confiança, naturalmente) de José Carlos e por falta de serenidade e de à vontade (também naturais) do regressado Alhinho (que não poderia, por si só resolver todo o problema) tornaram possível que o União, jogando em contra-ataque e só contra-atacando quando as circunstâncias lho permitiam, não criasse menos perigo – perigo real – do que o Sporting, no seu balanceamento muito mais continuadamente de ataque.

O primeiro «aviso» surgiu logo aos 2 minutos, quando Raul Águas foi «autorizado» a entrar «por ali dentro» e, da meia-direita, a despedir um tremendo remate, que deixou Damas sem tempo para se mexer e que só não deu um grande golo porque a bola foi embater lá no alto do poste esquerdo e ressaltou para o terreno. Depois, pelo jogo e pelo tempo adiante, não se pode dizer que o União tenha voltado a estar abertamente, à beira de marcar, mas não mais deixou de ser notória a dificuldade da zona central e fronteiriça à baliza sportinguista, por manifesta deficiência de colocação ou por evidente ausência da autoridade requerida em quem actua numa posição tão importante.

 

Poucos nomes


De aí, de tudo isto, a razão de termos afirmado que o Sporting não fez o suficiente para merecer ganhar o jogo. Além do golo, só dispôs de um outro ensejo nítido para desfeitear Nascimento, quando Yazalde (na primeira parte) se infiltrou pela meia-esquerda e, com suavidade, desviou a bola para o lado contrário, levando-a a bater na base do poste esquerdo e a passar perto do pé que Chico lhe estendeu, para uma recarga que, deste modo, não surgiu.

Mas também o União não justificaria, realmente, o triunfo. Defendeu-se bem (por mérito próprio e beneficiando das deficiências contrárias), mas já não teve o mesmo talento nos movimentos de ataque, para tirar proveito das oscilações da defensiva antagonista.

 

Depois do intervalo, Pavão foi excepção àquela quase constante do jogo, desenvolvendo, pela direita, uma série de descidas que confundiram Carlos Pereira e que pareciam capazes de poderem vir a dar frutos. Mas, em vez disso, o que veio foi a expulsão de Pavão e, se não fora a bela «cabeça» de Camolas (que ficara caído, a recuperar energias, enquanto a bola seguia para o «canto» que lhe daria o golo), estamos mesmo em admitir que o União teria ficado em branco.

Foi, enfim, um jogo sem grande história, sob o aspecto futebolístico, entre duas equipas manifestamente sem grande convicção nas suas possibilidades – antes de receosas da capacidade do respectivo opositor.

 

Quanto a individualidades, já ficaram feitas as principais referências. E, também aqui, foi dos tais casos em que não há muito para dizer. Basta verificar que os dois guarda-redes são os únicos que nos merecem a pontuação máxima – porque não tiveram culpas nos golos, nem qualquer deslize comprometedor, não porque tivessem muito e difícil trabalho.

Acrescentemos, apenas, que a defesa tomarense, em globo, teve a unidade que nunca existiu na sportinguista e que Marinho, com quatro ou cinco «fugas» no seu jeito, nos deu a sensação de estar a valer bastante mais do que Chico, neste momento.»

 

Estádio Municipal de Tomar

Árbitro – Joaquim Freire, de Aveiro

U. TOMAR – Nascimento (3); «Kiki» (2), João Carlos (2), Cardoso (2) e Raul (2); Manuel José, «capitão» (1), Fernando (2) e Pedro (1); Pavão (1), Raul Águas (1) e Camolas (2) (80m – Caetano (1))

SPORTING – Damas (3); Manaca (2), Alhinho (1), José Carlos, «capitão» (1) e Carlos Pereira (2); Fraguito (2), Tomé (1) e Dinis (1); «Chico» (1) (45m – «Marinho» (2)), Nelson (1) e Yazalde (2)

1-0 – Camolas – 79m
1-1 – Marinho – 89m

Cartão vermelho – Pavão (65m)

 

«Duas substituições, e ambas no segundo tempo: no Sporting, logo de entrada, «Chico» por «Marinho» (2); no União, aos 35 minutos, Camolas (logo que fez o golo da sua equipa) por Caetano (1).

 

Ao intervalo: 0-0.

 

No segundo tempo: 1-1.

 

Aos vinte minutos, Pavão foi expulso, por tentativa de agressão a Fraguito, nas circunstâncias de que falaremos adiante.

1-0, por Camolas, aos 34 minutos. Numa altura em que Camolas vinha gesticulando cá para fora, na direcção do «banco» dos responsáveis da sua equipa, pedindo para ser substituído, por se encontrar «estoirado» (Caetano até já fazia o habitual aquecimento), houve um «canto» contra o Sporting, do lado direito do ataque dos tomarenses. Pedro apontou-o, com um pontapé forte e por alto e, com os defesas centrais «leoninos» pregados ao terreno, Camolas, na meia-direita, elevou-se muito bem e cabeceou melhor, fazendo um golão,  para o qual a pronta estirada de Damas não chegou.

1-1, por Marinho, aos 44 minutos. O árbitro já procedia (e bem, acrescente-se já) à compensação do tempo perdido (quer pela expulsão de Pavão, quer pela assistência que houve que prestar a dois ou três jogadores lesionados, quer pelos manifestos vagares dos tomarenses, na reposição de bolas em jogo), quando o Sporting desceu até à grande área adversa, onde a bola seguiu de Dinis para Fraguito e deste para Marinho desmarcado na meia-esquerda. Com a bola na frente e sem oposição imediata Marinho deu alguns passos e, no momento em que Nascimento se lhe lançava aos pés, chutou, rasteiro, para as redes desertas.

Resultado: 1-1.

 

In http://uniaotomar.wordpress.com - (“A Bola”, 08.01.1973 – Crónica de Cruz dos Santos)


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